Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Desespera

Prometi esperar, e aqui estou, mesmo sem saber da tua espera, na correria de um tempo que não é mais meu. Nem te notei dizer por alto, sem promessas, que quando se viria, por onde seria. Assim espero por dúvida e por amor, sem saber quantas juras nos prendem agora, sem contar relógios, sem pressas ou atrasos. Nem sei mesmo se parado aqui sou dono dessa espera ou passivo da tua vinda, se deixei migalhas no caminho para que me achasse ou se você, despercebida de cada grão, as perdia passo a passo. Nesse espaço curto do quarto que me deixaste inteiro e pleno começo a duvidar também do próprio tempo, se já passamos por ele ou se teimamos em alcançá-lo, ou se numa transcendência absurda nos tornamos o instante imediato e dissoluto, a dar corda no presente que nunca será nosso, breves e eternas abstrações a confundirem-se entre passado e futuro, nada mais. Espero por ti, mesmo sabendo que já era.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

As drogas da vida

Olhando por cima de já tantos passos dados, talvez possamos dizer de onde vem toda a lama nos pés dos viciados. Do cigarro? Do álcool? Da maconha? Da coca? Do crack? O que vem antes de tudo isso? A terra, o barro, o estrume. Morreu um jovem vítima do crack na semana passada. Seu pai, completamente desolado, começou uma campanha antidrogas. Logo na outra esquina acompanhamos os passos da marcha da maconha. O que vicia uma pessoa? O que mata uma pessoa? E a culpa é de quem? A culpa, cara, é da liberdade. A mesma liberdade que nos é tomada a partir do momento em que nascemos e, em vão, buscada até a nossa morte. Morte por crack, por tiro, por câncer, por ideal, por vida e por morte. O rapaz, um menino, vítima do crack, do pai, da sociedade e da liberdade reprimida. Uma droga e a sensação de uma falsa liberdade que intensa e constantemente lhe trouxe talvez o afeto por tantas vezes simples, mas negado, e só agora dado em doses altas e tardias sob a forma mascarada de uma transferência de culpa maior. Talvez. Ou talvez um afeto que não pode ser encontrado sob nenhuma outra forma, diferente de tudo o que lhe cercava e esmagava numa rotina imposta. Ou talvez uma escolha menos comum, e jamais aceitável, de simplesmente se viver uma vida colorida por cores mortas, que também são cores, a escolher. O diferente sempre foi espantoso até se tornar comum. Já somos privados e culpados pela vida incomum. Mas, então, a quem culparemos todas as mortes em comum? Podemos refletir antes sobre a culpa.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A primeira esperança morta

Autossabotagem foi tudo o que me sobrou. Young me faz companhia nessa noite de sexta onde tudo era pra ser o contrário. Dormi o dia inteiro, mas mesmo assim continuo na cama, insone, rejeitando convites, desligando celulares e apagando as luzes. Me disseram que tudo o que vinha de mim era lindo, me deram a felicidade de bandeja, me amaram como quem ama as estrelas, mas essa não era eu. O céu está vermelho essa noite. Somente a tristeza é um sentimento puro. A tristeza e o amor rejeitado. O que vem depois disso são fugas de quem acredita no sentido das coisas. As coisas não têm sentido. Eu não tenho sentido, o não sentir que é real, cheio de tudo. A minha sorte é o meu maior azar. Rejeito essa sorte, rejeito a mim mesma, toda felicidade que me vem dou como artificial, rejeito rosas, bombons e declarações, tiro sarro do que sou eu. Um dia eu quis o que não é a solidão, então descobri o superficial, como um peixe fora d’água. O mar, amar, o fundo do poço, a lama, o cru, a crueldade do que é verdadeiro e belo. Cuido do outro como não cuidaria de mim, mas não sou eu. Falo sobre isso, faço aquilo, o tempo todo me apontam contradições como quem descobre algo extraordinário, mas eu sou ordinária, assumo até o que não é meu pra poupar aproximações. Assumo canalhices, provoco marcas de batom, nego o que for decente. Não quero sutilezas. Sou dos absurdos mudos. Um concreto que protege pétalas murchas. O vazio que fica nas coisas mortas, uma herança de amor. Mas ainda espero que a campainha toque e revele tudo aquilo que é mentira por medo de ser verdade. Ainda espero que você apareça e me reconheça, e descubra o que tanto escondo do mundo desde que você foi embora. A loucura de ser sensível.

sábado, 8 de setembro de 2012

O sol de setembro

Saiu nos jornais que o sol de setembro estaria mais forte, que as pessoas evitassem os raios solares principalmente entre meio-dia e duas tarde e usassem bastante protetor. Mas como se evita raio solar? Ultimamente tenho sentido meu corpo quente, mais do que de costume, e não é febre. Até minhas mãos geladas estão suando. Acredito que talvez seja esse sol de setembro mesmo. Já à noite, aliás, bem no finzinho da tarde, na primeira brisa leve que anuncia o sol se pondo, sinto calafrios, meu corpo é tomado por um frio de inverno que nunca existiu de verdade aqui em Fortaleza. Um inverno que nunca vivenciei, mas sei que chega quase a ser do extremo sul. Dia e calor, frio e noite, como no deserto. Talvez seja esse sol de setembro impondo presença e ausência. Só que às vezes o clima em mim se inverte, se colocando à parte de toda a natureza externa, como se quisesse ser próprio de si, nem de mim nem do mundo, mas somente de si, assim como os sentimentos. E ai fica uma guerra de temperaturas, cada uma querendo assumir e impor sua identidade, cada uma querendo tomar a outra de vez, cada uma querendo ser mais eu, acima de mim. Como no deserto, às vezes oásis, às vezes miragem. Aqui fora e aqui dentro, querendo predominar e impregnar todos os espaços, aquecendo, bronzeando, queimando, assim como os sentimentos, sendo de alguma forma, estando presente ou ausente, esse sol de setembro.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

A medida do inacabado

Gosto de café. Nunca gostei de chá, doce ou amargo, sempre me pareceu água quente suja com açúcar. Não, chá nunca me desceu, é quase um suco que parou no meio do caminho, ficando aguado, sem cor, sem graça e amornado pelo sol do meio-dia. O café já não me faz pensar em água nem açúcar nem sol nem amargura, só me faz pensar em café, algo que traz em si todas as dores e curas do mundo. Mas numa noite dessas, acompanhada pelos sons da cuíca, do bongô e do atabaque, a embriaguez já tomava conta de todos quando ela apareceu com limões, gelo e matte. Não cabia o nome chá naquela bebida, pois me apeteceu, assim como para ela não cabia um nome qualquer a ser esquecido no dia seguinte, já que levou minha atenção noite adentro e me roubou qualquer voz que ousasse dizer – mas não gosto de chá. Foi uma negação sutil que aceitou tudo o que viria a partir dali. Falamos de luas e ruas, ela me mostrou a leveza das madrugadas e a liberdade das indefinições e eu mostrei as cores dos beijos e o calor dos fins das tardes de sol. Nos permitimos à beleza e delicadeza do efêmero até onde os sentimentos se confundiram com rotina e, diferente do tempo que se arrastou até que nos encaixássemos, súbito nos separamos. Apesar de toda a leveza que colhemos em nossas noites que só acabavam quando dormíamos quase ao meio-dia do dia seguinte, o peso de um passado que nunca consegui deixar guardado numa caixa me puxou de volta para a realidade de um coração quebrado, essa que parece impregnar na alma e impor uma felicidade cheia de incompletudes, vazada, que se quebra mais e mais a cada vontade e ilusão de conserto, machucando a si e a todos os outros que estiverem por perto. A consciência insana disso e a incerteza de um sentimento latente e negado me levou pra longe dela e a receita de seu chá gelado, desmedido como ela, foi tudo o que me restou, a aliviar e energizar dias de sol ou de chuva. Às vezes me pergunto se algo meu também restou a ela, mas quando a vejo por ai e ainda me falta a voz, percebo que a única resposta que ainda posso ter é um abraço adocicado, forte e quente, agora amornado por outra pessoa.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

A menina dos braços de nuvem

mm's.

Era um passarinho que gostava de gaiolas e de enfeitar o mundo afora. Um suspiro de amor, de sonhos e de melancolia. Uma nuvem. Era uma menina que traduzia qualquer sentimento num abraço.  Aqueles que a diziam antipática, não reconheceram a timidez e a insegurança em seus estados mais puros. Aqueles que a diziam frágil, nunca sentiram a força de uma flor. Aqueles que nunca experimentaram a sanidade e a diziam louca, não enxergaram os tons da liberdade. Aqueles que hoje a dizem “adeus”, será que um dia a ouviram dizer “olá” como eu?

quarta-feira, 11 de julho de 2012

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Amor de dois

E como se quisesse devolver a vida àquilo que só algum tempo depois sentiu que desfalecera em suas mãos, por descuido ou impossibilidade, disse: te amo. Eu sei, disse ela (mas esse amor não é o suficiente, não mais segura minha mão, apesar de agarrá-la quando preciso pra que eu não caia, não deseja um beijo de boa noite em todas as noites, não sonha em acordar ao meu lado em todas as manhãs, se contenta com o cochilo de uma tarde, não mais pensa em levar café na cama ou me levar pra jantar, tornou-se lanche, não brinda, é somente ressaca, não fica de pés descalços na praia nem brinca à beira da piscina, anda alheio aos avisos do mar, não viaja, não acampa, não repousa, é rotina, não lê mais versos soltos em páginas aleatórias, anuncia o jornal, não me abraça como se fosse tudo, envolve os braços como se fosse nada, não me convida pra sair, é delivery, não beija nem suspira, não ama apaixonado), também te amo.

sábado, 7 de julho de 2012

"Meu tempo não se mede em relógios"

"Eu também tive meu coração machucado. Me dei mal, meu bem, ninguém escapa. Mas o bom disso tudo é que agora consigo abrir meu coração sem rodeios. Sim, amei sem limites. Dei meu coração de bandeja. Sonhei com casinhas, jardins e filhos lindos correndo atrás de mim. Mas tudo está bem agora, eu digo: agora. Houve uma mudança de planos e eu me sinto incrivelmente leve e feliz. Descobri tantas coisas. Existe tanta coisa mais importante nessa vida que sofrer por amor. Que viver um amor. Tantos amigos. Tantos lugares. Tantas frases e livros e sentidos. Tantas pessoas novas. Indo. Vindo. Tenho só um mundo pela frente. E olhe pra ele. Olhe o mundo! É tão pequeno diante de tudo o que sinto. Sofrer dói. Dói e não é pouco. Mas faz um bem danado depois que passa. Descobri, ou melhor, aceitei: eu nunca vou esquecer o amor da minha vida. Nunca. Mas agora, com sua licença. Não dá mais para ocupar o mesmo espaço. Meu tempo não se mede em relógios. E a vida lá fora, me chama."

 Texto de Caio Fernando Abreu 

sábado, 23 de junho de 2012

"Uma chata cheia de manias"

Diante das contas de um rosário,
diante de um terço de pedras pretas.
Dizem que se rezarmos diariamente,
Maria nos assistirá na hora de nossa morte.
É tarde - nem tanto - e eu preciso de ideias.
De uma frase perfeita para justificar o verso.
Mas primeiro, tudo que eu sempre quis,
desde que me acordei de manhã cedo,
era mesmo um cigarro.
E dei para justificar um cigarro
com um copo de bebida
ou com um momento sem ideias.
Essa mania doida de ter que ter ideias.
Essa mania doida de pedra de crer que devo
cometer a grande frase.
Induzir sentimentos intensos.
Sou uma chata. Uma chata cheia de manias.
Ainda acredito conquistar corações,
ainda acredito que só sei conquistar corações
tendo ideias. Eu sou a rainha das ideias.
A "Miss Coração Solitário".
Que na verdade disfarça, teclando teclando,
com dedos que querem cigarros.

Fico bem de negro. É a minha cor.
Todo mundo deve ter uma.
Aquela que só se empresta a quem amamos.
Já quis ter, um dia, um vestido
de paralelepipedos esvoaçantes.
Agora que, enfim, estou fumando,
gostaria de um drinque e um xale
de contas de rosários

Sou mesmo uma chata
que adora desculpas do existir.
Mas, se quiser, lhe empresto agora
todo o meu negro. Aceita?

Poesia de Fernanda Young, 
em Dores do amor romântico.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Eu diria que


Não sei o que dizer, mas já quero te dizer tanta coisa que tenho me atropelado nas minhas próprias palavras e nas dos outros. Aos tombos, tenho procurado nos velhos poemas coisas simples ditas de um jeito menos meu pra te mostrar que não sou tão crua, só que tudo parece exposto demais, tão não você, mistério. Tentei procurar em poucas palavras aquilo que me traduziria, mas não quero também que você pense que sou assim tão minimalista, mesmo estando por inteira em cada vírgula, enquanto você, num romance inteiro. Cheguei a arriscar nos ritmos estrangeiros tortos que ando ouvindo por aqui, só que tudo veio denso demais, não quero que me ouça assim, pois minha densidade quase chega ao solo de um violino, já você, a delicadeza de uma flauta doce. Busquei a leveza da bossa, do novo velho mpb, mas me sussurraram algo que tenho perdido há tempos, trechos que você declamaria numa paixão ingênua e sincera. Tentei encontrar em antigos escritos, sentimentos remotos, algo que pudesse dizer qualquer coisa que não as baboseiras que tenho me atrevido a pronunciar ultimamente, mas tudo em vão, eram palavras cruas, nuas, densas, frágeis e bobas, eram palavras tão eu. Hoje, o que gaguejo em dizer são vultos de paixões e amores que não refletem em ti, são palavras que não te alcançam. O que é preciso ser dito ainda está pra crescer, pois você acabou de nascer em mim, como uma flor que nasce no meio de uma estrada abandonada, solo de concreto, e traz consigo toda a primavera. Não sei o que dizer, mas já quero te dizer tanta coisa que espero que você me espere. Reflorescer. Mesmo que eu continue tão eu, e você tão você, se fará um poema, um conto ou um romance regado a palavras tão nossas que até no inverno haverá flores pra enfeitar nossos dias.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Soltas reticências


Mas a verdade é que quando me desatei e desatinei a viver o mundo outra vez, esse de nó frouxo, da tal liberdade sem hora marcada, dei de cara com as tais das reticências, esses pontos soltos que afrouxam os "happy endings" da vida, em cada esquina, um engodo em cada amarra. Desses, minhas fraquezas e fortalezas, e minhas paixões. Platonismos às avessas, amores despedidos, perfumes ainda impregnados de memória, o cheiro do mar, da chuva, alecrim, a batida do tambor, os beijos escondidos, apressados, desencontrados, desmedidos, interrompidos. E foi nesses esbarrões, no canto de cada meio sorriso cínico dessas esquinas, que vi espelhar aquela, dentre tantas outras, num olhar escuro, quase olhar abismo, quase caos, quase caso, ainda vívida, ciente de si, mas adormecida, ainda que estremecida a cada possibilidade de encontro. No perfume, no jeito torto, na assimetria coordenada em mim, reencontrei o que nunca havia perdido: um capítulo ainda a ser escrito.

domingo, 29 de abril de 2012

Em estado de amor

O amor pra mim é isso que pensa e também sente, essa coisa que percorre nossa pele e arrepia, que dura pra sempre ou o instante de três segundos, o verbo que pode ser conjugado em todos os tempos, o concreto que pode ser quebrado ou a flor que talvez nunca murche. O amor não é mais nem menos, maior ou menor, melhor ou pior, é simplesmente o estar, e não o ser, como a tal vontade que dá e passa. O amor, como tudo no mundo, é relativo, transitório e finito. Não, não superestimo o amor, nem subestimo.

terça-feira, 24 de abril de 2012

"Diga não aos covardes!"

Um brinde aos passos minúsculos desses seres rastejantes. Andam na velocidade de uma boa notícia quando a ansiedade já extrapolou a lógica da espera.

Chega de meias bocas pra preencher profundos vazios. Meias bocas para beijar entradas inteiras. Meios beijos de respeito na testa. Meias palavras para dizer alguma coisa que, feita a análise fria, nada querem dizer. Intenções soltas e desejos desconexos. Esse mistério todo é uma violência contra a minha inteligência. Sejamos diretos para não sermos idiotas: eu te quero. Você me quer? Não sabe? Ah, então vá pra puta que te pariu. (E vá ser vago na casa da sua mãe porque embaixo da sua manga eu não fico mais!)

Este rebolado colorido que descola de seu cenário pastel, vem de meu ventre. Livre. Portanto não tente me escravizar, nem com promessas, intelectualidades, ou uma pegada daquelas. Este rebolado é quase que instintivo, meu jeito, nada sutil, apesar de ser essa a intenção, de te mostrar que há chances de ultrapassagem.

Seja inteligente, faça jus à espécie, seja Sapiens. Perceba o sinal verde, ultrapasse.

Não sabe se quer acelerar o motorzinho? Então vá treinar com uma boneca, uma revista, uma prima, a chata da sua mulher, a sem-sal da sua namorada ou o raio que os parta todos os mornos. Eu não sou morna e, se você não quiser se queimar, morra na temperatura do vômito.

E bem longe de mim. Ou venha me ajudar a ferver essa banheira. Vamos ficar cegos de vapor e vermelhos de vida. É sangue que corre nos meus sentimentos e não o enjôo morno de uma vida que se vai empurrando com a barriga. Barriga que vai crescer no sofá imundo dos acomodados. Eu ainda quero muito. Quero as três da manhã de um sábado e não as sete da tarde de uma quarta.

Vamos viver uma história de verdade ou vou ter que te mandar pastar com outras vaquinhas? Docinho vá fazer pra quem gosta de lamber o seu cuzinho, porque aqui nessa boquinha só entra cher nourriture . Vá contar esse seu papinho de "Hey, you never know" pra quem conta com a sorte e sabe esperar.

A sorte é sua de ser amado por mim e eu quero agora, ontem, semana passada.

Amanhã não sei mais das minhas prioridades: posso querer dormir com pijama de criança até meio-dia, pagar 500 reais numa saia amarela, comer bicho-de-pé no Amor aos Pedaços ou quem sabe dar para o seu chefe em cima da mesa dele.

Minha vontade de ser feliz é como a sua de gozar. E se eu te iludisse de tesão e levantasse rápido para retornar a minha vida? Você continuaria se fodendo sozinho para fugir da dor: é assim que vivo, masturbando minha mente de sonhos para tentar sugar alguma realização. É assim que vivo: me fodendo.

Chega de ser metade aquecida, metade apreciada, metade conhecida. Chega de ser metade comida em meios horários e meio amada em histórias pela metade. Chega de sorrir para o que não me contenta e me cobrar paciência com um profundo respiro de indignação.

Paciência é dom de amor aquietado, pobre, pela metade. Calma, raciocínio e estratégia são dons de amor que pára para racionalizar. Amor que é amor não pára, não tem intervalo, atropela. Não caio na mesma vala de quem empurra a vida porque ela me empurra. Ela faz com que eu me jogue em cima de você, nem que seja para te espantar. Melhor te ver correndo pra longe do que empacado em minha vida.

Texto de Tati Bernardi

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Um tempo


No horizonte, me perco
penso, como você está?
Mas em meus caminhos, me encontro
sabendo como estou
Passos firmes, linhas tortas
Destino? 
O presente.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Seguro sem vida

Três segundos. Era tudo o que separava minha boca da dela. Dois. Então um sorriso torto e um olhar distraído pelos vultos que passavam bêbados entre a calçada e a pista nos separaram por mais uma noite inteira. No outro dia, talvez começasse tudo outra vez, se houvesse outra vez, aperto de mãos ou abraço, um "oi" e um descaso, depois de um tempo e de um vinho ou cerveja ou vodka, o tempo de outra conversa, quem sabe, e a mesma distância de um risco adiado, congelado em três segundos. É que juntei meus medos e agora eles me asseguram um pudor e uma timidez sem alma, que me rodeiam só pra me manter com os pés no chão, firme, fixo, de um vazio seguro, como sapatos na praia, que nos protegem de pequenos objetos pontiagudos, mas nos privam de sentir o friozinho do encontro entre a areia e o mar. Nunca mais estive na distância de um segundo.

sábado, 31 de março de 2012

Bicicleta



Não havia contramão pra ela
todas eram a seu favor
pista de dança, estrada
aquarela
sem receios, ânsias
ou pudor.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Da minha conta

Acabei de vir do banco. Quando eu era criança, dizia que nunca iria abrir conta em banco, que queria o mínimo de vínculo com a sociedade possível. Incrível como a gente vai se deixando domar com o tempo. E lá foi rápido, pouca documentação, pouca burocracia, aparentemente, fora o fato de eu ter assinado meu nome sete vezes seguidas, quase uma tortura. Detesto quando preciso assinar meu nome, toda a preguiça do mundo se concentra na minha mão, a letra fica mais horrível do que já é e fica sempre a tensão de não estar assinando certo. Enfim. Dentre todos os meus conflitos vindos desde a infância, nenhum esteve ali diante de mim e da moça que me atendia. Somente um, desses corriqueiros que a gente nem sente, nem dá importância, me deixou apreensiva: quando ela me pediu uma referência, algum contato pra deixar registrado caso eu estivesse ausente. Não soube o que responder e aquilo tomou meus pensamentos de tal forma que muita coisa ficou clara naquele momento. Por algum tempo tive uma referência e era algo instantâneo quando eu precisava. Mas agora, agora eu não tenho mais. Foi então que eu percebi até onde se estende um relacionamento, a dimensão que ele tem, e não é o que eu vejo muitas vezes por ai. Relacionar-se com alguém é assinar um contrato secreto cheio de condições sentimentais e sociais, é uma cumplicidade bem mais complexa do que só compartilhar segredos de liquidificador. Enfim, senti e entendi isso. Dei a referência da minha mãe pra moça, não tive ideia de qual outro nome dizer.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A uma saudade qualquer

Uma saudade que vem de lugar nenhum
Como uma flor que brota no deserto
Chão seco, tempo pálido, miragens
Talvez melhor do que em pastagem
E você procura explicação
Pois tudo no mundo cá precisa que seja de certo
Ora, flor em deserto?
Veja bem, é que também precisa de desprendimento
Já pensou mundo atolado em razão
Livre de sentimento?
Essa saudade, que vem sem nome nem direção
Pode ser tudo que rima com flor.

O preço da dignidade

Quanto vale a dignidade? Por volta de meio-dia, voltando pra casa, vi umas prostitutas na rua, depois um cara sentado próximo ao poste vigiando a mercadoria que vende no semáforo, ouvi o motorista reclamando do salário e do descaso do governo, isso tudo em meio ao cálculo que eu fazia pra ver quanto vou ganhar por hora no novo estágio, quase o mesmo que um professor formado, só que com condições de trabalho bem melhores. Uns ganham mais, outros menos e tudo é trabalho. Uns dispõem de condições melhores, outros, piores. Uns se matam de trabalhar pra sobreviver, outros quase não trabalham e (sobre)vivem muito bem. Outros nem trabalham e esbanjam vida. E tudo é trabalho. Uma vez ouvi falar que o trabalho dignifica o homem... Nesse país acho que usam a dignidade como desculpa pra exploração.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A verdade da chuva

a chuva sussurra
o silêncio já não diz nada
ela vem revestida de ilusão
mas não traz ternura
você evita ouvir
(h)á dor
ela grita
o telhado ecoa
e o frio te cobre.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Só, vento e mar

VOCÊ se DEIXOU LEVAR pelos OUTROS 
e EU ME DEIXEI LEVAR por TI.
JÁ o AMOR, COITADO, FICOU a VER NAVIOS.


domingo, 15 de janeiro de 2012

O mundo é uma mentira

"Num mundo onde só se diz a verdade, não existe a decepção", começava mais ou menos assim a sinopse que li, não lembro o que dizia depois, só lembro que já faz alguns dias que li isso e ainda não esqueci. Tão acostumada a esquecer e não esqueci. Poderia romantizar aqui sobre a memória e o esquecimento, ou sobre a verdade, a mentira, a decepção, mas fugiria do que quero realmente dizer, do que pensei quando li essa frase e o quanto ela foi importante pra fixar de uma forma tão firme em mim. O fato é que ultimamente minha vida tem estado imersa num tipo pegajoso de decepção, o que deixa subentendido o nível de mentiras que têm me rodeado. Mentiras bobas, fúteis, inúteis, desnecessárias, cruéis. Mentiras inevitáveis. Mentiras que um dia foram verdades. E verdades que um dia foram mentiras. Essas coisas que as pessoas contam olhando nos seus olhos, segurando as suas mãos, essas coisas que muitas vezes até essas pessoas querem acreditar. Quando li a frase, quis ir de imediato pra esse mundo da verdade, pensei: troco de pele e deixo toda essa lama pra trás, vou pra onde tudo está posto às claras, limpo e seco, transparente. Mas logo senti um certo desconforto, senão desespero. Olhei pra todas as mentiras que me rodeavam, pras pessoas impregnadas nelas e delas, e vi os sentimentos que rodeavam essas mentiras e essas pessoas, dentre eles a tristeza, a frustração, o arrependimento, a raiva, o afeto, a alegria, o amor. Percebi que num mundo onde só se diz a verdade, não existe a decepção, mas também não existe mais nada.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

As luas de lua

 para Lorena Maia.

Cheia de si e de tudo, até a lua estava cheia. O tédio a tomava em grandes goles lentos quando tudo parecia apenas mais um final de tarde que costurava o nada de seus dias com pontos falsos. Como se parasse de acompanhar os ponteiros do relógio, imergiu numa contagem desmedida. Lembrou-se de antes de tudo, da delicadeza dos tempos, da promessa silenciosa feita aos prantos que a partida causa. Lembrou-se de quando prometia, mesmo sabendo que muitas vezes não era de cumprir, mas perdoada feito criança. Lembrou-se de quando acreditava em boas intenções e de quando elas eram de fato verdadeiras. Essa tarde adormecia mais do que o sol, adormecia também um coração no canto do sofá antigo, acolhido pela tv e pelo prato de sopa morna. Não estava totalmente cansada, pois ainda lembrava-se de outros pores do sol e luas cheias, menos nostálgicos, menos coveiros. Também não estava descansada, o que a mantia no sofá era um sentimento desconhecido, mas familiar. Lembrar-se não era exatamente o que a enchia, é que tocava o vazio de tal forma que preenchia algo ali. E era incômodo. Como uma bolha cheia de ar. Lembrou-se do que havia esquecido, a lua cheia perdida na praia, a lua minguante sorrindo embriagada. O pôr do sol nunca visto. Estava cheia, pesada, inerte. Mas ainda havia algo em sua memória que a fazia flutuar pelos espaços da casa e a levavam pra longe dali, onde o tempo sonha. Ainda tinha as estrelas.