Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

sexta-feira, 31 de julho de 2009

preto e branco : arco-iris

Hoje eu não quero fotografia.
Eu quero sensação.
Eu quero sentir o chão, o ar, os cheiros, as cores, a pele. As dores.

Por hoje, cansei.
Eu trocaria o ver pelo tocar intenso.
Por hoje.
Amanhã... passou.
E a tragédia em quadro – arte!

Um dia-sensação, o outro dia-fotografia.

Se eu pudesse, só por um dia trocaria tudo: a sensação por fotografia.

sábado, 25 de julho de 2009

A passageira

São em noites de vento curto e seco que muitas almas se perdem e se encontram. Quando tudo pára, silencia, clama por algum ruído; Ela também pára. Silencia. Clama por algum ruído. Interno. Clama por barulho, batidas, convicções de existência. De sensibilidade. De qualquer prova das suas incoerências absorvidas. Procura dentro de si sobras de ternura, pedaços de recomeço da última implosão que no instante a faz cínica, cética. Ah, Amor bandido, sofrido, suado! Deixado. Amor, amor. Amor. Sim. Aquele; aquilo que despedaça toda e qualquer forma de razão, ultrapassa, transcende, desprende, enlouquece, abusa. Por que não uma descrição bruta, humana, real? Ridiculariza. Desabrocha a mais bela das flores, cores. Eleva ao último grau a pureza de uma prisão querida, desejada, exigida. Transforma cacos de vidro recentes em janela de perfeita vista para o jardim mais perfumado. Tudo é paz, caos contido. Inesperado consciente... Despetala em tempestade sorrateira imagens esplendorosas, mas deixa sim os piores vestígios de uma lágrima do ser, de ser. Recria seca, refaz o tempo absoluto em minutos infinitos de trabalho obrigado. Ela pára.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Senti.dó

Sinto o frio me tocar sem pressa de envolver e congelar cada nervo palpitante que me restou depois de um dia no qual a tensão se sobrepôs a qualquer outra sensação eufórica desses frios repletos de significados que consomem toda a razão. Quis o calor por alguns instantes, breve como cada palpitação delirante do meu ser dominado e dominante de si mesmo. Febre e calafrios, que nem aqueles de paixão intensa que surge apressada e foge disfarçada deixando fragmentos cicatrizados em ferida semiaberta. Paixões que vão e vêm, não sabem se vão, se vêm, confundem-se.
E eu preocupada com erros diários de impressão!
A impressão – um erro por si, que há mais fundamento na ideia do que no real.
Estas linhas caminham por entre a incoerência dos meus sentidos;
retiro o sentido que nelas quis impor
e apenas
sinto.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

O reflexo e o reflexo.

Ela acendeu a luz com repentina euforia de quem acorda após a prisão de um pesadelo. Os seus olhos vagantes procuravam algo naquele quarto que lhe parecia estranho, mas a tranquilidade de seus toques pelos móveis que a sustentavam mostrava que já não havia motivo algum pra toda aquela exaltação em meio à madrugada. Ao olhar por entre seus cabelos ainda agitados encontrou alguém que há tempos não via. A imagem refletida no espelho antigo e de moldura escura mostrava plenamente uma pessoa desgastada pelo tempo. Ela quis evitar tal encontro, pensou em desviar-se de si mesma, mas sabia que não adiantaria, o espelho estava ali reluzente. Os olhos daquela imagem pareciam sofridos, aquela boca implorava calada algo indecifrável; decifra-me ou te devoro! dizia. E, assim, o tempo ia devorando sorrateiramente as expressões de sua vida frívola. Por um instante, algo escorreu em seu rosto, teve dúvidas. A lágrima desceu seca, não pode chegar ao fim de seu percurso, logo desaparecera. Ela virou-se. Pôs-se em outras formas. Não adiantaria, sua imagem refletia tal qual realmente era. O espelho, marcado pela ferrugem, era sábio. Ela, sempre disfarçada, ingênua. Confundiu-se com a noite, as horas desordenadas, adormeceu anestesiada. Ao acordar, exatamente às 6 da manhã junto ao despertador colado à cama, após hesitar por alguns segundos, levantou-se, pegou o estojo que encontrava-se na mesinha abaixo do espelho e, admirando-se no espelhinho traçado delicadamente por linhas douradas, alinhou-se.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Inquietante...

... e surpreendente!

Tudo e todos.
A realidade presente, passada, e, com certeza, futura.
Tantos cultos às imagens, símbolos - vagas materializações da dúvida.
Tantas adorações às pessoas, e não aos atos.
Ícones, e outros construtos lucrativos, idolatrados; humilhantes reverências!
Manifestações contra isso e aquilo; tantas contrariedades.
Aceitação daquilo tudo o que é conveniente e rotineiro.
Negação plena de qualquer singularidade - até que se torne comum.
A hipocrisia rolando solta...

E a estranha sou eu.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Este inferno de amar...

Este inferno de amar - como eu amo!
Quem mo pôs aqui n'alma... quem foi?
Esta chama que atenta e consome,
Que é a vida - e que a vida destrói -
Como é que se veio a atear,
Quando - ai quando se há - de ela apagar?
Eu não sei, não lembra: o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez... - foi um sonho -
Em que paz tão serena a dormi!
Oh! que doce era aquele sonhar...
Quem me veio, ai de mim! Despertar?
Só me lembra que um dia formoso
Eu passei... dava o Sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus
Que fez ela? eu que fiz? - Não no sei;
Mas nessa hora a viver comecei...

Poesia de Almeida Garret