Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

sábado, 23 de junho de 2012

"Uma chata cheia de manias"

Diante das contas de um rosário,
diante de um terço de pedras pretas.
Dizem que se rezarmos diariamente,
Maria nos assistirá na hora de nossa morte.
É tarde - nem tanto - e eu preciso de ideias.
De uma frase perfeita para justificar o verso.
Mas primeiro, tudo que eu sempre quis,
desde que me acordei de manhã cedo,
era mesmo um cigarro.
E dei para justificar um cigarro
com um copo de bebida
ou com um momento sem ideias.
Essa mania doida de ter que ter ideias.
Essa mania doida de pedra de crer que devo
cometer a grande frase.
Induzir sentimentos intensos.
Sou uma chata. Uma chata cheia de manias.
Ainda acredito conquistar corações,
ainda acredito que só sei conquistar corações
tendo ideias. Eu sou a rainha das ideias.
A "Miss Coração Solitário".
Que na verdade disfarça, teclando teclando,
com dedos que querem cigarros.

Fico bem de negro. É a minha cor.
Todo mundo deve ter uma.
Aquela que só se empresta a quem amamos.
Já quis ter, um dia, um vestido
de paralelepipedos esvoaçantes.
Agora que, enfim, estou fumando,
gostaria de um drinque e um xale
de contas de rosários

Sou mesmo uma chata
que adora desculpas do existir.
Mas, se quiser, lhe empresto agora
todo o meu negro. Aceita?

Poesia de Fernanda Young, 
em Dores do amor romântico.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Eu diria que


Não sei o que dizer, mas já quero te dizer tanta coisa que tenho me atropelado nas minhas próprias palavras e nas dos outros. Aos tombos, tenho procurado nos velhos poemas coisas simples ditas de um jeito menos meu pra te mostrar que não sou tão crua, só que tudo parece exposto demais, tão não você, mistério. Tentei procurar em poucas palavras aquilo que me traduziria, mas não quero também que você pense que sou assim tão minimalista, mesmo estando por inteira em cada vírgula, enquanto você, num romance inteiro. Cheguei a arriscar nos ritmos estrangeiros tortos que ando ouvindo por aqui, só que tudo veio denso demais, não quero que me ouça assim, pois minha densidade quase chega ao solo de um violino, já você, a delicadeza de uma flauta doce. Busquei a leveza da bossa, do novo velho mpb, mas me sussurraram algo que tenho perdido há tempos, trechos que você declamaria numa paixão ingênua e sincera. Tentei encontrar em antigos escritos, sentimentos remotos, algo que pudesse dizer qualquer coisa que não as baboseiras que tenho me atrevido a pronunciar ultimamente, mas tudo em vão, eram palavras cruas, nuas, densas, frágeis e bobas, eram palavras tão eu. Hoje, o que gaguejo em dizer são vultos de paixões e amores que não refletem em ti, são palavras que não te alcançam. O que é preciso ser dito ainda está pra crescer, pois você acabou de nascer em mim, como uma flor que nasce no meio de uma estrada abandonada, solo de concreto, e traz consigo toda a primavera. Não sei o que dizer, mas já quero te dizer tanta coisa que espero que você me espere. Reflorescer. Mesmo que eu continue tão eu, e você tão você, se fará um poema, um conto ou um romance regado a palavras tão nossas que até no inverno haverá flores pra enfeitar nossos dias.