Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A moça do olhar perdido

“Hoje às 17h30 no calçadão, vamos ver o pôr-do-sol, galera! Depois aquela cerva no Doors.”, escreveu e publicou na rede. Mais tarde, umas cinco ou seis pessoas a encontraram, alguns eram amigos mais antigos, outros, amigos de amigos. Era assim quase sempre, um convite à toa, encontros no fim da tarde e noite adentro, conhecidos ou não. Gabriela gostava disso, dessa imprecisão da vida, do acaso quase planejado e também de uma certa popularidade que veio meio que instantânea, talvez pela empatia que carregava desde o berço. Eram doses de sol, de chuva, de lua cheia, privês, sextas, sábados e domingos, não deixava passar nenhuma folga do trabalho. Até que não tinha um emprego ruim, fazia o horário durante a semana, cumpria as metas com antecipação, ficava a maioria do tempo cativando a vida. Tinha amores também. Platônicos, breves, intensos, convencionais. Nunca chegava nem saia sozinha e, raramente, com a mesma pessoa. “Tanta gente no mundo! Se prender às lamúrias de uma só pessoa pra quê?”, evitava as dores inevitáveis do amor, se gastava de pessoa em pessoa sem se fixar, sentia apenas as amizades enquanto não passava o tempo dessas tomarem outros rumos, porque, afinal, sempre tomam.

Érico a conhecera num desses encontros, amigo de Guilherme, namorado de Luiza, uma das amigas de Gabriela. Não sei se a palavra certa seria conhecer, pois quase nem se falaram. Talvez saber. Soube de Gabriela num desses encontros. Meio tímido, ficou ainda mais com toda a extroversão dela. O que lhe chamou atenção foi a verdade que cercava aquela garota, desde os sorrisos até alguns poucos momentos de olhares perdidos. Ela era bem ela, alguém tentando escapar das pedras da vida, aproveitando os bons ventos a seu modo, como todos, aliás, também tentam fazer todos os dias. Só que ela era uma verdade, era límpida em seus atos, de uma sinceridade que irritava quando mandava alguém praquele lugar por algum problema ocasional ou quando decidia simplesmente fazer o contrário de todos os outros, totalmente desimpedida. Parecia alguém que não se preocupava com a solidão, pois não fazia questão de manter as boas maneiras da boa vizinhança quando não queria. Além do mais, lá no fundo sabia que ficar sozinha era algo que só dependia dela mesma, não precisava se esconder atrás de máscaras. Essa transparência toda, por mais que afastasse algumas pessoas, também aproximava outras, mesmo que tudo fosse se passando em momentos breves, ébrios. Havia percebido nela também um certo desespero, como se buscasse em todos os lugares e pessoas alguém que pudesse postar-se assim tão nua quanto ela. Era o que era ou era o que ele queria ver. Passou a se importar.

Gabriela não percebia muito o que vivia, pois tentava demais perceber tudo, longe e perto. Na tentativa de sair das superfícies e imergir noutros sentimentos, acabou se tornando vaga, perdendo o ponto. De tanto ir e vir, com muitas perguntas e nenhuma resposta, passou a viver as coisas de forma imediata, apressada. A única coisa que não perdera foi a si mesma, sua essência, mesmo não notando mais nos espelhos quem olhava, só os outros viam. Os outros que a acompanhavam vez por outra, aceitando seus convites, menos Érico, que limitou-se a apenas ter conhecimento deles. Sabia sempre onde iria e a que horas iria, o que qualquer um poderia saber se quisesse. Na segunda ou terceira, e última, vez que se encontraram, tiveram mais proximidade, conversaram um pouco sobre qualquer coisa, mas isso só o convenceu de que não era isso o que ele queria, então resolveu não estar mais tão à vista, já que queria ser visto. O que ele não sabia é que ela jogava convites ao vento e ficava à espera. Esperava que alguém chegasse mais perto, que de qualquer coisa saísse alguma coisa, esperava talvez por ele, pelo quarto encontro. Uma espera já dormente. Ela, que fazia de todo mundo troféu, mal sabia que era troféu de todo mundo.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Nota de desfalecimento

Aos meus queridos que me cercam no dia-a-dia, no passado, presente, futuro ou imaginação, em pensamentos fixos ou móveis, toques ou olhares, suspiros ou declarações, desejo uma felicidade plena, eterna, dessas que encontramos em momentos breves, espontâneos, uma sinceridade que, mesmo mentida por tão verdadeira, mantenha a chama acesa da esperança, ou ilusão. Peço perdão pela distância, ou pelo descaso, por vezes tão presentes, que me posto, pois apesar de ainda acreditar nos sorrisos ingênuos de um brinde ou abraço, no instantâneo, não me iludo mais com proximidades. Sou só. E o tempo todo estou somente. Espectadora da alegria alheia, mesmo que minha. Feliz, talvez, de um sentimento vivido, sentido, mas adormecido ou morto. Pois sou corpo sem alma, não consigo mais manter a calma e tampouco largar as armas. Além de tudo, peguei distância pra ver melhor o que não havia e acabei não vendo muita coisa boa. Fui corrompida e perseguida por muito tempo pelo mundo do sim, dos risos frouxos, das mãos escorregadias, estou agora em queda livre. Talvez haja algum galho seco que eu possa me agarrar, talvez uma flor ainda por vir, talvez  tudo, talvez nada. Talvez eu volte. Por enquanto, o que me interessa manter em vista é a relatividade, o acaso, e essa distância, tempo e espaço, na qual tropeço e caio em cada prova de.