Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

A medida do inacabado

Gosto de café. Nunca gostei de chá, doce ou amargo, sempre me pareceu água quente suja com açúcar. Não, chá nunca me desceu, é quase um suco que parou no meio do caminho, ficando aguado, sem cor, sem graça e amornado pelo sol do meio-dia. O café já não me faz pensar em água nem açúcar nem sol nem amargura, só me faz pensar em café, algo que traz em si todas as dores e curas do mundo. Mas numa noite dessas, acompanhada pelos sons da cuíca, do bongô e do atabaque, a embriaguez já tomava conta de todos quando ela apareceu com limões, gelo e matte. Não cabia o nome chá naquela bebida, pois me apeteceu, assim como para ela não cabia um nome qualquer a ser esquecido no dia seguinte, já que levou minha atenção noite adentro e me roubou qualquer voz que ousasse dizer – mas não gosto de chá. Foi uma negação sutil que aceitou tudo o que viria a partir dali. Falamos de luas e ruas, ela me mostrou a leveza das madrugadas e a liberdade das indefinições e eu mostrei as cores dos beijos e o calor dos fins das tardes de sol. Nos permitimos à beleza e delicadeza do efêmero até onde os sentimentos se confundiram com rotina e, diferente do tempo que se arrastou até que nos encaixássemos, súbito nos separamos. Apesar de toda a leveza que colhemos em nossas noites que só acabavam quando dormíamos quase ao meio-dia do dia seguinte, o peso de um passado que nunca consegui deixar guardado numa caixa me puxou de volta para a realidade de um coração quebrado, essa que parece impregnar na alma e impor uma felicidade cheia de incompletudes, vazada, que se quebra mais e mais a cada vontade e ilusão de conserto, machucando a si e a todos os outros que estiverem por perto. A consciência insana disso e a incerteza de um sentimento latente e negado me levou pra longe dela e a receita de seu chá gelado, desmedido como ela, foi tudo o que me restou, a aliviar e energizar dias de sol ou de chuva. Às vezes me pergunto se algo meu também restou a ela, mas quando a vejo por ai e ainda me falta a voz, percebo que a única resposta que ainda posso ter é um abraço adocicado, forte e quente, agora amornado por outra pessoa.