Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

domingo, 24 de março de 2013

Rotina

 para inaê.

Não costumava acordar cedo aos domingos, mas ultimamente tenho acordado no mesmo horário todos os dias. Nove e trinta da manhã. Nada que deva significar algo, sem qualquer ponto subjetivo, mesmo. Apenas acordo e não encontro motivos pra continuar na cama. Durante a semana, começo a me ajustar pra mais uma rotina semanal, preparar as coisas pra ir trabalhar, rodar pelo mundo até a madrugada, depois vir pra casa e cair na cama a esperar com certeza mais sonhos confusos até o amanhecer. Domingo não, domingo não tenho muito o que fazer, a não ser ficar rodando pela casa, tentando por ordem no lugar, ou ver se há alguma coisa lá fora pra fazer, mesmo enjoada de tudo o que já fiz durante toda a semana. É que me acostumei a fazer o necessário e desnecessário nos dias comuns e a ficar bolando pela casa nos finais de semana. O caso é que agora fico sozinha. Antes tinha você, tínhamos nós, que só podíamos acontecer aos sábados e domingos. E tudo realmente acontecia em dois simples dias dentro de casa. Sala, quarto, computador, TV, cozinha, o mesmo prato feito que você odiava e amava, às vezes um filme antigo, desses que a gente tanto combinava de ir ver no cinema e deixava escapar dentre os compromissos inadiáveis. Neste domingo, como agora de costume, acordei às nove e trinta, levantei, não tinha ninguém em casa, mas mesmo assim fui até a sala e fiquei lá sentada a ver o tempo passar pelo jardim de inverno antes de ligar a TV e distrair a mente. Antes, ficávamos no quarto até meio-dia, ou uma da tarde. Ou três, não sei, não existia tempo. Hoje percebo que havia sim, cinco anos entre quatro paredes, tendo tudo o que importava na minha cama, num domingo, sem horário. Desliguei a TV e liguei o rádio. Coloquei aqueles CDs que ouvíamos antes de nos conhecermos realmente, mas que quando nos conhecemos, pareciam ter sido nossos o tempo inteiro. Arrumei a casa, lavei a roupa, a louça. Cozinhei, camarão. Pela sua alergia, nunca tive interesse em fazer, apesar de gostar tanto. Lembra quando você rodava o bairro atrás de camarão simplesmente porque eu desejava aquilo naquele momento e nada mais importava? Fiz um drink. Vodka, limão, açúcar, gelo. É, dessa vez, açúcar. São três da tarde. Um domingo, vodka, limão, açúcar, gelo, música, voando longe. E a vontade de ligar, já faz três meses e nenhuma notícia. Pensei que dessa vez voltaria de novo, como sempre. Alguém telefonou e não disse nada. Terá sido você? Não tenho ficado em casa aos domingos. Não tenho ficado em casa durante todo o final de semana. Mas hoje fiquei e alguém ligou. Você tem ligado em todos esses domingos? Esqueci o número do seu telefone. Tenho esquecido de muita coisa desde que você se foi. É, eu já tinha essa péssima memória antes de você partir, mas agora é diferente. Agora tenho lembrado de coisas que não tenho feito ou dito. Agora tenho sido mais eu dentro de mim, quase a ponto de sair e voltar a ser quem eu era antes de você chegar na minha vida. Eu gostava disso. Mas quando eu voltar a ser um eu de antigamente, você vai ter ido embora pra sempre. Eu também gostava daquilo que era e éramos, mais do que qualquer liberdade que voltei a ter depois que você se foi. E repito, você se foi. E repito, eu gostava de você, e de mim quando estava com você. Só que hoje é domingo, amanhã, quando eu acordar às nove e trinta outra vez e sair pelo mundo outra vez, talvez eu já tenha esquecido de quem eu fui hoje, ontem, você e antes. Sempre te disse que precisava de você hoje, agora. Assim como o ar que respiro é imprescindível, sempre, e o momento em que ele é mais importante não foi ontem ou será amanhã, nem hoje, mas agora. Não chamo isso de dependência, pois não dependo de você nem de todo esse ar, chamo isso de vida.