Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Era pra queimar depois de escrever

Chegam os finais de semana e eu sempre me sinto sozinha. Sozinha, mas não solitária. Estar sozinha, somente comigo mesma, eu, meus pensamentos e assombrações. E por falar nelas, é preciso me livrar desses novos passados que seguem me atormentando noite após noite e que hoje me vêm muito mais em forma de reclusão.

Estão lá, cada palavra, cada tentativa de me rebaixar, de me enlouquecer diante do outro, de me diminuir para, enfim, me dominar, cada pancada que eu segurei com a frieza que, por graças, conseguia manter acesa e pra me defender: a única armadura contra o seu ódio por tudo e por todos: ser vazio e vazia. Eu não conseguia mais chorar de tanta tristeza, nem sorrir com os olhos; já não dormia à noite, já não queria viver meus dias. Só seguia o fluxo dos dias que, em alguns momentos, eu conseguia ter sob meu controle, mesmo com você tentando inundar tudo e me afogar na sua cólera condensada em veneno e mentiras. Não, eu não me mataria nem recairia num poço que tem lá até dedicatórias, como era de sua vontade sórdida.

Eu não tinha medo de você, tinha medo de mim, de tudo o que se passava pela minha cabeça em todas as vezes que você começava a rosnar e cuspir o mais intragável fel misturado a fumaça do cigarro. Até minhas reações estavam em jogo, na tentativa de serem controladas por alguém tão amador. E você queria a todo custo se cobrir com o manto do vitimismo e me apontar como o ser que você sempre tentou pintar por aí, à tua imagem e semelhança; teu espelho era inverso. Aquele olhar vazio e cheio de ódio me tirava qualquer paz de pensamento, a me prender numa repetição a marteladas: como poderia existir pessoa tão cheia de abismos dentro de si?

A ilusão de achar que eu ainda decidia sobre minha vida me fez protelar e acreditar que, um dia, tudo passaria e se ajeitaria do jeito que deveria ser. O problema é que o que deveria ser, de fato, era. A ficha não caia. Mas o meu pedido de socorro foi tão imerso em mim mesma, que de uma faísca, veio junto tudo o que havia sido enterrado e abafado durante esses anos. E sair da escuridão me fez reenxergar a vida e tudo o que ela sempre me prometera: não era mesmo ficar num porão imundo à mercê do que eu precisava crer pra não cair em declínio total, sem mais voltas, sem outras chances. Eu tinha forças ainda, e eram bem maiores do que ontem, seriam sempre maiores amanhã. Forças internas e externas. As minhas. As dos meus.

Então você foi arrancada como um band-aid que sai de uma ferida curada, sem dores. Eu não estava nas minhas mãos, mas, agora, também não estou nas suas. E isso me abre qualquer possibilidade de vida, nem que seja para escolher entre ficar simplesmente sozinha, aos finais de semana ou em qualquer outro dia. O vazio dessa casa nunca me preencheu de tanta paz. E hoje eu entendo a diferença entre solitude e solidão.

E pensar que, um dia, eu deixei que você questionasse até a minha escrita.