Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Crédito especial

Parei de te convidar não pra que você aparecesse de surpresa, não quero mesmo que venha, nem tarde nem nunca, pois já gastei todas as palavras pra que pelo menos passasse por aqui, todas as desculpas pra que chegasse cedo, desenhei todos os mapas possíveis pra que não se perdesse no meio do caminho, usei todos os cartões de crédito pra estocar o que bem agradasse, fiz até conta no mercadinho da esquina; vi meus pedidos se perderem entre o eco de outros pedidos deturpados, convites aleatórios, papéis picados e rabiscados a traçar outros caminhos, dívidas e mais dívidas a acumular em meu nome. Só eu paguei, em parcelas mínimas e juros máximos, aos poucos, fui, ano após ano, engolida pelos débitos da tua ausência. Saiba que não tinha, de forma alguma, a intenção de te riscar dos meus contatos, mas é que cedo ou tarde esquecia das minhas contas e de todos os outros convidados e ia atrás do que era mesmo da minha conta, acabava sempre no cheque especial. Nem meus dois empregos estavam dando conta de sustentar esse sentimento todo. Juros, taxas, multas, alguns poucos bônus apareciam pra me ludibriar, mas logo dava pra perceber que era tudo jogada de quem não sabe se vai ou se fica. Era sempre assim: eu empobrecia de amor enquanto você decidia se levava ou se estava só olhando. Olha, se parei com os convites, entenda, é porque nem de presente quero mais. Quitei todas as pendências, festa agora só se for à vista.