Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

sábado, 29 de janeiro de 2011

Que seja rítmico

Eis que chega o fim do dia numa noite clara, ainda sem as velhas nuvens no céu, e numa batida agitadinha, um House talvez. Exatamente do jeito que ela não gostava. Creio que ainda não goste e ainda teime em dizer por ai que nem eu. Mas gosto sim, antes dela, e agora, depois dela, muito mais. Forço um alívio. O coração acelera e se desgasta numa confusão de sons que se recolhem numa música só, que talvez nem diga nada, o suficiente pra ele não pensar em mais nada além do que está por fora dele, e assim passar por qualquer paixonite mal resolvida sem desgastes maiores que talvez um blues causaria.

Quando a conheci fiquei mais em paz, queria maresia doce, balanço de rede num fim de tarde com bossa nova, nada de rock 'n roll, virou costume agarrado à essência. Não que antes eu não gostasse, é que não tinha esse quê todo de querer fazer climinha de romance, dar vida a uma letra de música, cantar pra gente as nossas musiquinhas. Antes dela, isso tudo era só poesia de faculdade, interpretação, análise, semiótica, arrogância. Faltam-me termos bonitos agora, só encontro palavras cansadas, vistas em qualquer esquina tão limitadas de gente, senso comum. Mas não sinto nem um pouco de vergonha ao usá-las. Talvez o amor seja esse jeito mesmo sem-vergonha de se mostrar ao mundo: sem vergonha.

O lado ruim de tanta música, com o perdão da palavra, é que elas vão ganhando vida própria com o tempo, a cada encontro, beijo, briga, e então se instalam aqueles malditos Deslizes, Costumes e Evidências no nosso repertório. Ai vem uma imensa necessidade de quem não tem Nervos de Aço de ligar o rádio de novo, procurando qualquer agito, ou de sair por ai se gastando dia e noite, alguma forma de abstrair os pedacinhos quebrados. Com o tempo, a gente percebe que o movimento só intensifica os cortes, as dores, que o melhor é ficar parado, num Blues, se apegar aos Detalhes, e aos poucos, música popular brasileira, ir soltando cada pedaço num samba, de ladinho, ao pé do ouvido, numa outra rede ao amanhecer. Mas por ora ainda teimo na dormência que as eletrônicas causam, porque só assim adio a perda dos meus pedacinhos quebrados, quem sabe eu ainda possa consertá-los.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Aos quentes e letristas

O que está me esquentando nessas noites de inverno é o amanhecer que risca no céu um sol raso, um vento abafado, e meias nos pés. É o jeito de inventar o que aqueça a dor e a adormeça, o espontâneo e o contraditório, qualquer escrita sem nexo ou balbuciar de um riso solto. E também a distância de gente que não dá ponto sem nó, daqueles que contam os passos antes de chegar em casa e não reparam no chão, no quanto ele vai mudando de casa em casa, e quando chegam não pensam mais em nada, porque o mundo lá fora acabou a partir do portão da frente, trancado e sem brechas, e a porta da madeira mais dura, outra porta, mais trincos, mais trancos, vão terminando de entrelaçar os nós, dos que pouco agem por impulso, ou por muito pouco acham que já foi o suficiente, desses que se escondem pra vida curta do dia-a-dia por uma longa vida nos calendários, nos carros e lugares mais caros, destes que recolhem o coração num marca-passo, amedrontados, e de ti, que na minha frente não derrama uma lágrima, não desperdiça uma palavra, não conta as horas pra me ver e não perde mais tempo dedilhando o violão, ora tenha ao menos dó.

Permita-se!

Cansei de quem gosta como se gostar fosse mais uma ferramenta de marketing. Gostar aos poucos, gostar analisando, gostar duas vezes por semana, gostar até às duas e dezoito. Cansei de gente que gosta como pensa que é certo gostar. Gostar é essa besta desenfreada mesmo. E não tem pensar. E arrepia o corpo inteiro, mas você não sabe se é defesa para recuar ou atacar. Eu gosto de você porque gostar não faz sentido.

Permita-se. Se você acha que no fundo mesmo, apesar de todas essas reuniões e palavras em inglês que só querem dizer que você não sabe o que está falando, o que importa é ter pra quem mostrar que saiu o arco-íris. Permita-se. Porque eu não quero que você tenha essa pressa ao ponto de ajudar com as próprias mãos. Eu quero que você sinta esse prazer que chega aos poucos. E mata tudo que há em volta. E explode os relógios. E chega aos poucos ainda que você ainda não saiba nem quem é pouco e nem quem é lento. Porque você morre. Se você prefere a vida quando se morre um pouco por alguém, permita-se. Eu não faço a menor ideia de como esperar você me querer, porque se eu esperar, talvez eu não te queira mais.

Eu não queria ir embora e esperar o dia seguinte, porque cansei dessa gente que manda ter mais calma. E me diz que sempre tem outro dia. E me diz que eu não posso esperar nada de ninguém. E me diz que eu preciso de uma camisa de força. Se você puder sofrer comigo a loucura que é estar vivo, se você puder passar a noite em claro comigo de tanta vontade de viver esse dia sem esperar o outro, se você puder esquecer a camisa de força e me enroscar no seu corpo para que duas forças loucas tragam algum equilíbrio. Se você puder ser alguém de quem se espera algo, afinal, é uma grande mentira viver sozinho, permita-se.

Texto de Tati Bernardi

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Estrelar


Estrelas cadentes
Estrelas caídas
Estrelas-do-mar

Sem culpa nem desculpas


Vou me lançar ao mar em dias de chuva.

Sociabilidade

Engula o orgulho, mas nem tanto pra não se engasgar! Também tente ser menos egoísta, com cuidado pra não esquecer de si mesmo. Ouça mais aqueles que realmente têm o que falar e preste mais atenção naqueles que não dizem nada. Exerça mais a paciência, ponha-se mais no lugar do outro, reconheça as limitações do outro, até porque o que você faz ele não tem obrigação de [saber] fazer. Simplesmente respeite as diferenças.

... O ser humano não nasceu mesmo pra ser sociável.

Condicional

Poderíamos ter parado pra tomar um café, mas a chuva estava ficando mais forte e ela queria ir pra casa. Eu achava mais um motivo pra parar e tomar um café, chovia e estava ficando mais forte e além disso a gente precisava perder um pouco de tempo com a gente, já fazia tempo que não fazíamos isso. Pensava em conversar sobre qualquer coisa, não precisávamos falar sobre ontem, era só entrar ali, pedir um café e jogar conversa fora, talvez rir sobre nossas diferenças, talvez sentir conforto pelas semelhanças tão assimétricas. Por onde você esteve quando eu estava doente? E lá começava uma longa discussão, era assim. Ela precisava resolver isso, aquilo, ir ali, acolá, nunca aqui, sem querer não queria. Mas era só um cafezinho, nada demais, mais tarde um cinema, quem sabe, ou uma cerveja, ou poderíamos ir pra minha casa, tinha aquele vinho ainda, e uma música nova, ou poderíamos ver algum filme. Eu também poderia fazer um café pra aquecer a noite dela. Vamos pra minha casa! E eu ia. Sem café, cinema ou cerveja, uma música antiga que escolhi pra ela nos tempos em que a chuva era motivo pra correr pela rua procurando bicas. Agora, em dias de café, íamos cada um pro seu lado ou pra casa dela, deitávamos na cama, as velhas marcas no teto, os lençóis espalhados confundindo-se com os travesseiros e a noite caindo num longo marasmo, nem sono, nem sonho, a observava dormir, tão aliviada e ao mesmo tempo tão esgotada, ainda tão linda. A chuva continuava, mais forte, mais fraca, mais forte, mais indecisa, imprecisa, e a gente ia passando pelos cafés da cidade a caminho de casa, vendo as ruas alagadas, o lixo acumulando nos bueiros, os vidros embaçando, ela não me via com os óculos embaçados. Em casa, tão frio quanto lá fora, mas tinha os lençóis e ela, e eu ia esquecendo do banho de chuva, do café ou das conversas, pois me mantinha aquecido e era exatamente o que eu queria afinal. Um dia ela não vai se sentir tão culpada assim e falaremos numa tarde de sol sobre qualquer coisa.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Ame-a ou deixe-a.

Poligamia: A busca ingênua pela alma gêmea.
Monogamia: Um erro que precisa de paciência pra ser acertado.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

REM

E foi assim, como num sonho, a última dança. A virada do ano em outra cidade, cidade que não fiz questão de guardar o nome, e em família, pelo menos de início. Mãe, padrasto, primos, cachorro, e depois fui me perder não sei onde. Começo a achar que a virada mudou tudo de cena, apesar de não lembrar dos fogos nem de nada anunciando a passagem, mas só sei que foi assim, exatamente no outro dia, ainda madrugada, danças livres, o jogo de frescobol, uma borboleta contrastando entre tudo, indo de lá pra cá, como num sonho. Aliás, tudo contrastava... Por que eu a olhava tanto afinal? Era só uma dança. Tudo era sonho e passado! Nós éramos dança, sonho, contraste e passado. Éramos o fim de um ciclo, pesado, e a leveza do início de outro ciclo. Era isso e pronto, e por isso acordei, talvez cedo, talvez tarde, talvez nem tivesse dormido, ou talvez. Talvez, se, poderia. Na dúvida, vou me confundindo, como num sonho.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Como num fleche de luz

a noite. a lua. o mar. a música. o sono. o sonho. o dia. o sol. os pássaros. as flores. o vento. a caminhada. a água. o sorriso. o amigo. o beijo. o amor. a brincadeira. a imaginação. a criança. o doce. a bagunça. o erro. a briga. o choro. a dor. o desprezo. as desculpas. as pazes. o abraço. o recomeço. a valorização. o cuidado. a recompensa. a satisfação. a euforia. a intensidade. o presente. o futuro. a lembrança. a saudade. a tristeza. a depressão. a aceitação. a força. a coragem. a esperança. a vida. a morte. o fim.

Comigo mesma

A solidão é o eco de um latido bem distante.