Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

sábado, 19 de outubro de 2013

Na calada da noite

Estou aqui esperando por você, como você não me pediu nem deu qualquer sinal de que era isso o que queria. Espero porque sei que, apesar de tudo, e de nada que você tem me dado ultimamente, era isso o que queria quando saiu pela porta depois de um breve beijo às pressas para o aeroporto. Não chamaria aquilo de despedida. Então, se você de alguma forma soubesse que não voltaria, não teria ido embora daquele jeito, não é? Simplesmente falamos sobre o que poderia acontecer e o que não queríamos que acontecesse, não nos prendemos, nos deixamos ir sem usar nenhuma desculpa fajuta. Hoje faz exatamente seis meses desde que nos falamos pela última vez, a única coisa que me lembro é de você ter dito o dia em que voltaria e que me encontraria naquele bar, num tom totalmente descompromissado. De certa forma, não levei nenhuma palavra em consideração, mas o fato de ter me lembrado disso dia após dia me fez estar aqui esta noite, sentada, estúpida e crente de que você irá aparecer, ou lembrar-se dessa promessa absurda. Você nunca fez promessas, e o mais perto disso que fazia, nunca cumpria. Às vezes me pergunto o que fiz durante todo esse tempo e o que faço aqui agora, sendo idiota o suficiente pra continuar acreditando na única pessoa que nunca fez questão de me falar a verdade. A verdade é que você também não fazia questão de mentir e essas quase promessas, eu mesma que inventava numa tentativa de me manter acreditando naquilo que você também não chamava de amor, não chamava de nada, aliás. Mas vivíamos, quase sempre, isso que nenhum de nós chamava de amor, e sobrevivemos anos e anos nisso que todo o resto dizia não ser amor, enquanto todo o resto amava e desavama quando bem lhe fosse conveniente, relacionamentos superfaturados e cheios de dívidas que nunca seriam pagas. Pois escolhemos ser amantes a definir o amor. Quando você desligou o telefone, seis meses se passaram, e ainda me sinto na sala pensando no quão burra eu seria se estivesse esta noite aqui, no mesmo bar e na mesma mesa. Estúpida, idiota e burra, pedindo outra dose de tequila, esperando que você não demore tanto a chegar, pois nunca foi de chegar na hora marcada, mas sempre na hora certa, torcendo para que venha mais uma vez, mesmo tarde da madrugada, para me levar para casa quando eu estiver bêbada, amaldiçoando os quatro cantos do mundo por mais uma vez ter acreditado no que eu queria acreditar: em tudo o que o seu silêncio sempre me disse.