Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Meu tempo

Eu teria te beijado se eu soubesse
Teria te dito que você era mais importante que aquele cinema
Teria te chamado pra sair como se você não tivesse sido a última opção
Teria te dito naquela hora que eu queria ter dito sim,
se eu não soubesse que seria tarde, breve, único.
Não sabia que só te teria ali, naquele momento
como sendo tudo o que conjugaria todos os meus tempos.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Aquariana

L. P.

Sei o que te irrita
o que te faz gritar, xingar
sair do salto e do sério
Esse teu amor
sem querer
sem quê nem pra quê
Sei do teu jeito de negar
o que quer ser rasgado
Do teu beijo breve
a despedir-me
desesperado
E desse teu olhar
que não me diz pra ficar
torcendo pra que eu não vá embora.

sábado, 19 de outubro de 2013

Na calada da noite

Estou aqui esperando por você, como você não me pediu nem deu qualquer sinal de que era isso o que queria. Espero porque sei que, apesar de tudo, e de nada que você tem me dado ultimamente, era isso o que queria quando saiu pela porta depois de um breve beijo às pressas para o aeroporto. Não chamaria aquilo de despedida. Então, se você de alguma forma soubesse que não voltaria, não teria ido embora daquele jeito, não é? Simplesmente falamos sobre o que poderia acontecer e o que não queríamos que acontecesse, não nos prendemos, nos deixamos ir sem usar nenhuma desculpa fajuta. Hoje faz exatamente seis meses desde que nos falamos pela última vez, a única coisa que me lembro é de você ter dito o dia em que voltaria e que me encontraria naquele bar, num tom totalmente descompromissado. De certa forma, não levei nenhuma palavra em consideração, mas o fato de ter me lembrado disso dia após dia me fez estar aqui esta noite, sentada, estúpida e crente de que você irá aparecer, ou lembrar-se dessa promessa absurda. Você nunca fez promessas, e o mais perto disso que fazia, nunca cumpria. Às vezes me pergunto o que fiz durante todo esse tempo e o que faço aqui agora, sendo idiota o suficiente pra continuar acreditando na única pessoa que nunca fez questão de me falar a verdade. A verdade é que você também não fazia questão de mentir e essas quase promessas, eu mesma que inventava numa tentativa de me manter acreditando naquilo que você também não chamava de amor, não chamava de nada, aliás. Mas vivíamos, quase sempre, isso que nenhum de nós chamava de amor, e sobrevivemos anos e anos nisso que todo o resto dizia não ser amor, enquanto todo o resto amava e desavama quando bem lhe fosse conveniente, relacionamentos superfaturados e cheios de dívidas que nunca seriam pagas. Pois escolhemos ser amantes a definir o amor. Quando você desligou o telefone, seis meses se passaram, e ainda me sinto na sala pensando no quão burra eu seria se estivesse esta noite aqui, no mesmo bar e na mesma mesa. Estúpida, idiota e burra, pedindo outra dose de tequila, esperando que você não demore tanto a chegar, pois nunca foi de chegar na hora marcada, mas sempre na hora certa, torcendo para que venha mais uma vez, mesmo tarde da madrugada, para me levar para casa quando eu estiver bêbada, amaldiçoando os quatro cantos do mundo por mais uma vez ter acreditado no que eu queria acreditar: em tudo o que o seu silêncio sempre me disse.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Cardápio

Foi quando cheguei em casa mais cedo, logo depois do trabalho, nada de bar, ou pizzaria, ou padaria, ou restaurante, ou café, nada de livraria, nem biblioteca, nem cinema, nem casa de amigo. Vim direto pra casa, pois já não aguentava mais estar pensando tanto em você naquele dia, depois de tanto tempo, naquele dia em que você voltou ao meu pensamento simplesmente porque alguém que não era você entrou no mesmo ônibus, alguém que não era você também sentou na última cadeira, alguém que não era você desceu na mesma parada. Pedi sushi. Assisti a mais uns capítulos do seriado. Tomei café. Assisti a um filme. Fiz calabresa. Li um conto. Comi o último pedaço de torta. Liguei a TV. Pedi uma pizza. Coloquei Bethânia. Abri a primeira cerveja. Como alguém que não era você deve ter feito assim que chegou em casa com alguém que não era eu.

domingo, 15 de setembro de 2013

Pra viver como se fosse fins

Não quero ter a certeza da última vez
quero já ter vivido
e viver pensando nas possibilidades
daquilo que teria sido
se eu tivesse realmente vivido.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Amórbido

Tenho conseguido me virar bem sem você. Tenho até estado bem, já não encho os outros com meus lamentos, há tempos, apesar de ainda me pegar chorando sozinha. Talvez nem me escutem mais, ou talvez eu que não diga mais nada com nada mesmo. Os amores continuam passando por aqui, mas agora como fantasmas vigilantes à espera da minha, enfim, desistência e rendição. A verdade é que não morro mais por amor, que fiquem a me rondar e fazer companhia, mas não morro. Pois morrer é virar do avesso, é a certeza de nunca mais poder te tocar com as mãos da primeira vez, aquelas que se entrelaçaram, me deixando segura ao atravessar a rua, me querendo pulsante do outro lado, por quanto tempo, por onde fosse, e como desse. Vivendo por amor, cercada pelo que poderia ser, atormentada por fantasmas de possibilidades e pelo amor que um dia foi seu, tenho conseguido até me virar bem. Já não me incomoda você ter me virado as costas.

domingo, 1 de setembro de 2013

A idade do concreto

Não é a primeira vez que tentam invadir o Cocó com o argumento de trazer algum tipo de desenvolvimento para a cidade. Fico a pensar se desenvolver é isso: de árvore em árvore, enfim, se chegar a nada, além de chão seco, paredes firmes, tinta fresca e metais reluzentes. “Tudo isso por apenas algumas árvores. Tudo isso por causa de um viaduto. Não vejo esse escarcéu todo por outras causas. Estão sendo contra o desenvolvimento da cidade. Querem voltar à idade da pedra. Vagabundos! Vão trabalhar!” Eis algumas máximas vindas do lado de fora, de pensamentos cristalizados num sistema que nos molda anos a fio. Seria até de se compreender, não fosse a tamanha resistência a perceber outras realidades, outras formas de se construir uma sociedade. Muitas vezes nos prendemos às ideias apenas para comprovar nossa personalidade, moral, talvez “ética”, e nos agarramos a elas mais que tudo, nos fechando para os outros, para o espaço e direito dos outros. Fixe: esses outros não se resumem a nós, seres humanos, mas a tudo, a todos que compõem nossos solos, ares, águas e céus. Ao atravessar a entrada, destroçada pelos mandantes do desenvolvimento, mas aos poucos sendo colorida por instituições, entidades, indivíduos que percebem o mesmo que aqueles que ali ocupam e estão dispostos a defender o parque com unhas e dentes, e até com estômago, logo percebi: não são apenas árvores, não é só um viaduto, não são “vagabundos”. É uma causa, é um sentimento que não suporta mais a falta de sentimento reproduzida desde os tempos onde tempo é dinheiro. É um ideal que precisa cada vez mais ser reforçado, não apenas por sonho, utopia, mas por necessidade. Mudar as formas de se construir nossos espaços e nossas vidas é necessário. É preciso reconhecer-se enquanto ser vivo, enquanto parte de algo maior e, principalmente, enquanto único ser pensante responsável por esse algo e por tudo o que o constitui, mas que tem ido bastante contrário a isso. O incrível disso tudo é que algo tão simples e óbvio não consegue ultrapassar as barreiras sequer da visão de muitos, talvez por estarem acostumados a lidar com complexos sistemas mecânicos, sempre em busca de avançar, evoluir, progredir, desenvolver, como se quisessem preencher as falhas que ecoam entre os abismos cavados ao redor de cada um por anos e anos. Os poucos que tentam redefinir esses tons são tidos como loucos, transgressores, subversivos que vão de encontro às melhorias de nossa cidade. Melhorias?!... Talvez esteja na hora de “avançar, evoluir, progredir e desenvolver” de dentro pra fora, pois todos temos barreiras, mas podemos delas reconstruir pontes, praças, parques, e dai ver que a melhoria mais importante é ser gente de novo. Não é voltar a idade da pedra, é sair da idade do concreto.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Debaixo do peso de papel

Querido,

Tenho certeza de estar ficando louca novamente. Sinto que não conseguiremos passar por novos tempos difíceis. E não quero revivê-los. Começo a escutar vozes e não consigo me concentrar. Portanto, estou fazendo o que me parece ser o melhor a se fazer. Você me deu muitas possibilidades de ser feliz. Você esteve presente como nenhum outro. Não creio que duas pessoas possam ser felizes convivendo com esta doença terrível. Não posso mais lutar. Sei que estarei tirando um peso de suas costas, pois, sem mim, você poderá trabalhar. E você vai, eu sei. Você vê, não consigo sequer escrever. Nem ler. Enfim, o que quero dizer é que é a você que eu devo toda minha felicidade. Você foi bom para mim, como ninguém poderia ter sido. Eu queria dizer isto – todos sabem. Se alguém pudesse me salvar, este alguém seria você. Tudo se foi para mim, mas o que ficará é a certeza da sua bondade, sem igual. Não posso atrapalhar sua vida. Não mais. Não acredito que duas pessoas poderiam ter sido tão felizes quanto nós fomos.

Texto de Virginia Woolf

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Vencida

Se tenho palavra?
Sim, a tenho
mas com prazo
e de validade
pois se conserva
qualquer verdade
azeda.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Apagaram tudo

"Aquelas plantas ali você derruba e depois pinta tudo de verde." Pois é assim, pintam, rabiscam, cobrem com lona, giz, carvão, pó, apagam. Em menos de 24 horas, veja bem, vinte e quatro horas, e a ciclofaixa voltou às origens, ao por vir, ao vai saber se vem; intervenção por vir? Tomara! Tentam a todo custo cegar o povo do próprio povo. O que o povo quer, dever querer, pode querer, precisa. Apagam toda e qualquer chama que possa incendiar a roupa de palhaço que veste nosso país. E ainda gastam nossa água! Pior que desse foguete às avessas só resta a fumaça a incomodar essa gente, a gente, e somente, que depois se volta, revolta, com os pulmões cheios de gás: "Não queima, que isso aqui é nosso também, porra!"; a seguir espalhando a cegueira, ajudando a cobrir de cinza as ciclofaixas, as pinturas nas praças, as praças, praias, casas, a gente. O que o povo quer?! Vai saber, não dão nem tempo dele querer! Do que o povo precisa? Com certeza não é uma cidade pintada de verde, nem de ciclovias pintadas com tinta d'água, nem de praças cinzas. Vinte e quatro horas. E eu me pergunto há quanto tempo aqueles números de campanha ali estão nos muros.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Sem termômetro, nem bússola, nem pó mágico

Quando a gente ama, a gente cuida, quer o bem, quer o melhor, blablablá; Mas você só pode amar alguém quando ama a si mesmo; dizem àqueles pobres coitados que não são [mais] amados. Não se enganem, amor é como qualquer outro sentimento: dá e passa. Aqui, ali e acolá, por tempo, direção e pessoas indeterminadas. Ai vem alguém dizendo: amor da minha vida, pra sempre, até a morte. É, que seja, mas relacionamentos da Disney só existem lá, inclusive, podem até começar e acabar por lá mesmo. O que te faz querer passar o resto da vida com alguém, ou querer se prender a alguém pra sempre, é amor, sim, mas também inúmeros outros sentimentos que se sobrepõem nesse meio tempo. A separação ou a não reciprocidade é só o desequilíbrio entre eles, ou a falta deles. Não tem isso de amar mais, amar menos. Bom, essa seria até uma opinião negativa, mas é tão real e positiva ao ponto de que quando se tem essa mínima noção, tudo fica bem menos denso na hora de dizer: eu te amo, ou não te amo mais.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Impreterivelmente, sem hora marcada

Sim, nos amamos. Mas você ama alguém que não sou eu e eu amo alguém que não é você. E foi depois de finalmente compreender isso que percebi: amo você; quem você era. Só que não se pode ficar com quem era, porque quem era não existe mais. Nos amamos no pretérito, sempre sonhando com o momento certo de fazer valer cada gesto, adiando as emoções imediatas e nos prendendo somente ao conceito delas, ao descontentamento que é colocar em prática o que realmente se sente, aqui e agora, por medo de perder aquilo que se tem por dentro, mas já perdendo pelo simples fato de guardar essas coisas sob o mofo de um corpo viciado nas conveniências que mantém fechada a gaiola de cada um. Cada um cantando no seu canto o seu canto de vazias vivências. Pois que nem todo mundo trocaria todas as grades de uma gaiola por apenas um pedaço de tronco de árvore, achando que ficaria à mercê das estações do ano e do desgaste que é viver por si e pelos outros, esquecendo que o calor, o frio, as flores e também as folhas secas e soltas é que colorem o mundo, aliviam e movem nossa alma, essa que não tem voz quando cantada sozinha. Há sempre quem prefira viver de fora pra dentro, sob a medida de quem também não ama, também se iludindo sobre o amor de sua vida, acreditando que é de sua vida, sem saber que já era. Eu sei. Ou sabia.

domingo, 28 de julho de 2013

Lia

Mais um livro de contos na minha estante. Mas dessa vez eu mesma comprei. Você costumava me dar livros, Lia, e eu costumava ler pra você. Agora ganho livros de estranhos, que me leem pelos bares, onde leio silenciosa, e me acompanham em mais uma bebida que, inútil, me sirvo pra te esquecer.

terça-feira, 23 de julho de 2013

"O grito"

Não sei o que está acontecendo comigo, diz a paciente para o psiquiatra.
Ela sabe.
Não sei se gosto mesmo da minha namorada, diz um amigo para outro.
Ele sabe.
Não sei se quero continuar com a vida que tenho, pensamos em silêncio.
Sabemos, sim.
Sabemos tudo o que sentimos porque algo dentro de nós grita. Tentamos abafar esse grito com conversas tolas, elucubrações, esoterismo, leituras dinâmicas, namoros virtuais, mas não importa o método que iremos utilizar para procurar uma verdade que se encaixe nos nossos planos: será infrutífero. A verdade já está dentro, a verdade impõe-se, fala mais alto que nós, ela grita.
Sabemos se amamos ou não alguém, mesmo que esteja escrito que é um amor que não serve, que nos rejeita, um amor que não vai resultar em nada. Costumamos desviar este amor para outro amor, um amor aceitável, fácil, sereno. Podemos dar todas as provas ao mundo de que não amamos uma pessoa e amamos outra, mas sabemos, lá dentro, quem é que está no controle.
A verdade grita. Provoca febres, salta aos olhos, desenvolve úlceras. Nosso corpo é a casa da verdade, lá de dentro vêm todas as informações que passarão por uma triagem particular: algumas verdades a gente deixa sair, outras a gente aprisiona. Mas a verdade é só uma: ninguém tem dúvida sobre si mesmo.
Podemos passar anos nos dedicando a um emprego sabendo que ele não nos trará recompensa emocional. Podemos conviver com uma pessoa mesmo sabendo que ela não merece confiança. Fazemos essas escolhas por serem as mais sensatas ou práticas, mas nem sempre elas estão de acordo com os gritos de dentro, aquelas vozes que dizem: vá por este caminho, se preferir, mas você nasceu para o caminho oposto. Até mesmo a felicidade, tão propagada, pode ser uma opção contrária ao que intimamente desejamos. Você cumpre o ritual todinho, faz tudo como o esperado e é feliz, puxa, como é feliz. E o grito lá dentro: mas você não queria ser feliz, queria viver!
Eu não sei se teria coragem de jogar tudo para o alto.
Sabe.
Eu não sei por que sou assim.
Sabe.

Texto de Martha Medeiros

segunda-feira, 22 de julho de 2013

De nada parte

Como se não fizesse parte de nada
Levada em bolhas de sabão que sopram por ai
sem poder tocar concretos abstratos sentimentos
apenas alguns poucos reflexos coloridos pelo ar
a serem dissipados sem mais nem menos
Ah, dessas bolhas dissolvidas pelo próprio vento
que cuidou de levá-las leves pra longe do chão
e de tudo o mais que pudesse pesar.

domingo, 21 de julho de 2013

Os primeiros goles

 para L.

Nunca pensei que numa dessas noitadas pensaria em ti. É certo que ultimamente tenho pensado muito em ti, e sonhado além do que gostaria. Mas nunca em minhas noites. Essas onde me divorcio do mundo e me junto aos meus. Ao meu próprio relógio, meus vícios, pensamentos, platonismos e utopias. O trânsito ainda está movimentado, ainda estou na primeira cerveja, o sol se pôs faz tempo no meio da estrada, onde eu ainda pensava em ti. Já há algumas horas nos despedimos sem a menor atenção, nem intenção. Sei que atenção é o menor dos nossos problemas. Nesse momento, o maior dos meus é isso, estar pensando em ti, nas possibilidades, nos empecilhos, e no meu momento à parte da tua vida. Aliás, em que momento você começou a fazer parte de mim? Faz tempo que nos conhecemos e há tempos nos desfizemos. Agora sem mais nem menos, você surge em cada gole dessa cerveja que insisto em tomar sozinha, não tô pra ninguém mais hoje. Pensei em ligar nesse meio tempo, mas o que diria? Se nessa última semana estivemos tão perto todo o tempo e nada tive a dizer, por que agora teria? Você me deixou incoerente e cheia de clichês como há tempos não me sentia. Tenho sido tão lógica e previsível: três em uma, mas todas metodicamente encaixadas numa rotina milimetricamente erguida com medos, erros e desistências. Não sabia que havia porta ou janela por aqui. Você entrou, talvez por engano, um lugar confuso e tal, mas quem está perdida agora sou eu fora de ti, e o que me resta agora é só o tempo de pedir outra bebida até que o amanhã me mostre os estragos que essa noite ainda me reserva no tempo de uma curta ligação.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

"Carta para um próximo alguém"

Eu queria poder estar na mesma cama que ela todas as manhãs.

Espero que saibas que ela implica muito quando se apaixona, mas não se irrite, o sentimento é verdadeiro. Que ela vai segurar só o seu dedo mindinho quando andar do seu lado, em vez da mão toda, e vai ser lindo toda vez que o fizer. Que você vai sentir um aperto no peito sempre que voltar pra casa. Ela é teimosa, mas vai sempre tentar te entender. E dá trabalho quando bebe. O abraço dela é tão gostoso, que vai ser como chegar ao lugar certo. Ah, ela não gosta muito que as coisas parem em números ímpares, mas não discuta, você também deve ter uma coisa que te incomoda. O café a deixa mais acordada e ela odeia próteses dentárias. Não a faça esperar, e ela fala demais. Ela não é romântica por natureza, mas uma demonstração espontânea vai fazê-la sorrir, porque ela é segura e doce ao mesmo tempo, mas não ache que segurança e insegurança não podem andar de mãos dadas. E quando ela ri... quando ela ri, eu tenho vontade de chorar, não por tristeza, mas porque cada gargalhada me toca o coração, e é lindo, o sorriso, a boca, tudo. Aprende que a palpitação que sentes com ela é normal e que a falta dela é um vazio igual a morte.

Espero que sejas tudo o que eu não consegui ser, porque se partires o coração, vai perdê-la para sempre.

Pudera eu ter lido o futuro.

“Só enquanto eu respirar eu vou lembrar de você...”

Eu a amo, como nunca amei ninguém.

Carta de Priscila Vital
 ao último amor.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Canção de outono


Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.

De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o própro coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando àqueles
que não se levantarão...

Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...


Poesia de Cecília Meireles

domingo, 24 de março de 2013

Rotina

 para inaê.

Não costumava acordar cedo aos domingos, mas ultimamente tenho acordado no mesmo horário todos os dias. Nove e trinta da manhã. Nada que deva significar algo, sem qualquer ponto subjetivo, mesmo. Apenas acordo e não encontro motivos pra continuar na cama. Durante a semana, começo a me ajustar pra mais uma rotina semanal, preparar as coisas pra ir trabalhar, rodar pelo mundo até a madrugada, depois vir pra casa e cair na cama a esperar com certeza mais sonhos confusos até o amanhecer. Domingo não, domingo não tenho muito o que fazer, a não ser ficar rodando pela casa, tentando por ordem no lugar, ou ver se há alguma coisa lá fora pra fazer, mesmo enjoada de tudo o que já fiz durante toda a semana. É que me acostumei a fazer o necessário e desnecessário nos dias comuns e a ficar bolando pela casa nos finais de semana. O caso é que agora fico sozinha. Antes tinha você, tínhamos nós, que só podíamos acontecer aos sábados e domingos. E tudo realmente acontecia em dois simples dias dentro de casa. Sala, quarto, computador, TV, cozinha, o mesmo prato feito que você odiava e amava, às vezes um filme antigo, desses que a gente tanto combinava de ir ver no cinema e deixava escapar dentre os compromissos inadiáveis. Neste domingo, como agora de costume, acordei às nove e trinta, levantei, não tinha ninguém em casa, mas mesmo assim fui até a sala e fiquei lá sentada a ver o tempo passar pelo jardim de inverno antes de ligar a TV e distrair a mente. Antes, ficávamos no quarto até meio-dia, ou uma da tarde. Ou três, não sei, não existia tempo. Hoje percebo que havia sim, cinco anos entre quatro paredes, tendo tudo o que importava na minha cama, num domingo, sem horário. Desliguei a TV e liguei o rádio. Coloquei aqueles CDs que ouvíamos antes de nos conhecermos realmente, mas que quando nos conhecemos, pareciam ter sido nossos o tempo inteiro. Arrumei a casa, lavei a roupa, a louça. Cozinhei, camarão. Pela sua alergia, nunca tive interesse em fazer, apesar de gostar tanto. Lembra quando você rodava o bairro atrás de camarão simplesmente porque eu desejava aquilo naquele momento e nada mais importava? Fiz um drink. Vodka, limão, açúcar, gelo. É, dessa vez, açúcar. São três da tarde. Um domingo, vodka, limão, açúcar, gelo, música, voando longe. E a vontade de ligar, já faz três meses e nenhuma notícia. Pensei que dessa vez voltaria de novo, como sempre. Alguém telefonou e não disse nada. Terá sido você? Não tenho ficado em casa aos domingos. Não tenho ficado em casa durante todo o final de semana. Mas hoje fiquei e alguém ligou. Você tem ligado em todos esses domingos? Esqueci o número do seu telefone. Tenho esquecido de muita coisa desde que você se foi. É, eu já tinha essa péssima memória antes de você partir, mas agora é diferente. Agora tenho lembrado de coisas que não tenho feito ou dito. Agora tenho sido mais eu dentro de mim, quase a ponto de sair e voltar a ser quem eu era antes de você chegar na minha vida. Eu gostava disso. Mas quando eu voltar a ser um eu de antigamente, você vai ter ido embora pra sempre. Eu também gostava daquilo que era e éramos, mais do que qualquer liberdade que voltei a ter depois que você se foi. E repito, você se foi. E repito, eu gostava de você, e de mim quando estava com você. Só que hoje é domingo, amanhã, quando eu acordar às nove e trinta outra vez e sair pelo mundo outra vez, talvez eu já tenha esquecido de quem eu fui hoje, ontem, você e antes. Sempre te disse que precisava de você hoje, agora. Assim como o ar que respiro é imprescindível, sempre, e o momento em que ele é mais importante não foi ontem ou será amanhã, nem hoje, mas agora. Não chamo isso de dependência, pois não dependo de você nem de todo esse ar, chamo isso de vida.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Mais ou menos nós

Às vezes, assim num sábado à noite quando tudo deveria ser diferente, mas não é, quando eu deveria ter saído de casa e encontrado todas as pessoas que já convivo frequentemente ou que nem sequer vejo por ai meses a fio, às vezes, nesses dias que deveriam ter sido, mas não foram, penso que era aqui que você deveria estar. Não, não fisicamente aqui, mas comigo, fisicamente também, mas que estivesse de algum modo mais do que não está agora. E penso que toda a minha insegurança, ciúme, birra, intolerância, exagero, rispidez, etc, etc, etc estiveram mais comigo do que você. Tudo isso que eu fui mais. Assim como todo o seu descaso e descompromisso esteve mais comigo do que com você. Tudo isso que você foi menos. E penso que por muito tempo precisei escutar e sentir na pele os ganhos e perdas que circulam entre a gente quando gostamos e queremos ficar com alguém, e que muitas vezes perdi por não conseguir entender coisas tão simples, simplesmente por nunca ter parado pra entender nada por nunca ter estado tão ligada a alguém de modo tão natural e delicado. Penso que por muito tempo fui egocêntrica demais, como continuo sendo agora, e que por isso sempre coloquei mais a frente o que havia conquistado do que o que me davam. Nunca aceitei o fato de um dia perder aquilo que demorei tanto pra conquistar, o sentimento que é estar com alguém que se gosta, e acabei esquecendo aquilo que era mais importante, o amor do outro e tudo o que ele implica. Mas você poderia ter percebido mais aquilo que tinha nas mãos, e não só aquilo que sentia e o que recebia, ter saído mais de si, dessa bolha de afetos teóricos. Poderia ter tido mais medo de perder o que tanto demorou pra conseguir, por esperar em vez de construir. Tanta autoconfiança de quem sabe exatamente o que tem e não tem, o que deve ter e não deve ter, o que é possível e impossível, acabou esquecendo de cuidar do que era amado, considerando só o que era amor, como se isso bastasse. Talvez se eu tivesse sido menos egocêntrica. E você um pouco mais. Não, só o amor não basta. Mas talvez se eu fosse menos e você mais, ou vice-versa, nós não teríamos sido tão nós, e fossemos como agora, mais ou menos eu e você, numa noite de sábado onde tanto faz se é mais ou se é menos.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Domingo de cinzas

Não espere por um feriado ou final de semana pra dizer a alguém o que sente por ele, pode ser que esse alguém esteja viajando. Nunca gostei muito de curtir feriado, de fazer longas viagens nesse tempo marcado, ou de passar a semana me programando pra viver a partir da sexta-feira. As pessoas vivem esperando a semana acabar pra dizer ou fazer alguma coisa, mas já no domingo são desistentes. Isso de deixar tudo pra depois, menos o que pode ser deixado pra depois, isso que é feriado, que você chega exausto de tanto já ter esperado e não faz nada além de suprir o corpo com o imediato, deixando a alma guardada em meio a bagunça das roupas sujas. São tantas as obrigações que a gente não vê que entre elas sempre há o tempo dos sentidos, o tempo de olhar pela janela e ver o vento, de escutar o tempo, de sentir as cores de uma parede branca. Temos esquecido que nosso feriado é sempre o nosso agora e marcado no calendário quando, o que e como precisamos sentir essa vida. Adiados pro futuro, onde lá não se tem mais sentido nenhum.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Achados e perdidos

Quando assisti ao filme As Vantagens de Ser Invisível não achei lá essas coisas, mas depois de assistir pela 3ª vez tô começando a compreender e a me sensibilizar com a história. Tem coisa que precisa ser vista, e vivida, várias vezes antes da gente perceber a magia que ela tem, mas levando em conta que a gente não sabe quanto tempo vai ter pra fazer isso, seria o caso de se permitir já na primeira chance? Mas se permitir de primeira não influenciaria e forçaria uma magia que deveria vir naturalmente, tornando-a superficial e artificial? Mas ai, afinal, o importante não seria a magia em si, independente do que a constitui? Ou o importante seria buscar uma magia natural e plena, correndo o risco de se perder nessa busca a ponto de nunca encontrá-la ou encontrá-la tarde demais? A escolher. Por ora, vou me permitir a viver aquilo que acho merecer.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Um vinho, uma varanda e um quintal

Deitada numa rede, a taça próxima a um dos chinelos, o outro perdido talvez pelo caminho traçado algumas vezes até à cozinha, o cinzeiro ainda sem nenhuma bituca de cigarro, o maço ainda intocável, a roupa antiga a exalar perfumes ainda impregnados na memória, e o céu sem nenhuma lua aparente, apenas algumas nuvens, já muitas estrelas, um blues na vitrola. Era quase noite. Talvez ela já fosse noite com o vinho a torcer as horas desde cedo, à parte do relógio da cabeceira sempre incerto ao tempo lá fora. Meio vazia, quase esquecida ali no chão, trocada por pensamentos frouxos que ela mesma trouxe à tona. 
Lembrava-se dele na varanda, apenas com aquele short acima dos joelhos, uma canção, um samba, a estampa de flores, o aroma de flores, os cabelos de flores, bebia no copo que noutro dia esquecera de deixar no bar, ébrio até a tampa. – Um brinde ao bom vinho tomado em goles brutos num copo de bar! – dizia depreciativo. Não era rude, apenas indelicado. Era o rapaz mais sensível que havia naquela noite, naquele bar, completamente bêbado e alheio ao tempo moral. Cuspia palavras e palavrões como quem cuida de jardins. – Indelicado, mas sensível – ela comentou com a amiga ao lado que já não sabia se ouvia aqui, ali ou acolá. Por vezes arriscou ir até lá, ou esbarrar, ou cruzar olhares, mas a verdade é que ele a intimidava como nenhum outro. Isso a incitava mais entre fazer e não fazer, ir ou não ir, enquanto distraia o olhar com o teto, os garçons, os outros bêbados. – Nunca dê as flores, espere os frutos!(?) – disse uma voz meio rouca e incerta, ele. Dali em diante quase não há lembranças do que conversaram naquela já tão alta madrugada, de certo plantaram tudo o que tinham pelos dias que passaram sem pressa até o final das férias, janeiro ou fevereiro. Passaram-se anos. Ou talvez pararam-se anos. Dois ou cinco ou sete. Um jardim na frente da casa, outro atrás. Cinco amigos, seis taças de vinho e um copo de bar. Olhava pela janela todas as memórias que agora passavam ali embaixo, pelos cantos do quintal, todos os fins de sábado, as ressacas de domingo, as segundas de atraso e pressa. Sexta-feira à noite, quando ele trazia o vinho numa das mãos, o copo e a taça na outra, brindava a tudo e a nada, sentava-se ao pé da rede na varanda, acendia o cigarro, escorria as mãos pelos cabelos dela e ali ficava a falar sobre flores e ervas daninhas. 
Esperou pelos frutos das flores que ele tanto falava. Oito anos talvez? Oito ou nove, quem sabe dez. Olhando o mesmo quintal, a esperar pelos malditos frutos. Até deu todas as flores, mas nada. Nada, além do quintal e suas ervas daninhas insistentes, nunca cativadas. Nessa noite de janeiro, ela e a taça, completamente cheia outra vez, agora esperam sem mais contar os minutos, talvez pelos mesmos frutos que o levaram a manter um jardim secreto dentro de si, onde aquela doença o explorava dia após dia, e o deixava mudo a aceitar o que era colhido com a mesma insanidade passional do rapaz do bar de anos atrás, sensível e indelicado, que insistia em plantar flores na mesma terra que lhe corroia os pés.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Limite de cotas

Cansei de fingir que nada aconteceu ou acontece. Cansei de fingir que você não me traiu. Cansei de fingir que você não me trata feito criança e de fingir maturidade diante dos problemas que você deixa pra resolver depois. Cansei de ficar em casa esperando você chegar de madrugada, depois de já ter esperando o dia inteiro. E de ligar a TV atrás de um filme qualquer pra não sentir os minutos passando enquanto você fica no bar e bebe mais uma cerveja. E de acumular desilusões pra que tudo fique em paz quando você finalmente resolve aparecer. Cansei de me tornar menos sensível pra que todo erro teu não me magoe e de fingir que não ligo quando você volta simplesmente pedindo desculpas, que não acontecerá de novo, que foi inevitável, e de fingir que acredito quando na verdade sei que esse ciclo nunca vai se dissipar com o tempo. E cansei de ver você ir embora atrás de viver felicidades e liberdades, que sempre estiveram dentro de todos esses fingimentos, todas as vezes que me canso, e me implodo, e desligo a TV, e vou pros bares, e chego nas madrugadas, e não peço desculpas, e me explodo, e me deixar aos pedaços, sozinha, por culpa minha, e esperar que o vento sopre tudo pra longe de ti e então você possa voltar e encontrar somente o que convém, porque é o que sempre resta quando você não está me cansando, fingindo que nada acontece ou nada aconteceu. De me equilibrar no teu desequilíbrio mascarado. De você querer ter tudo e me oferecer apenas uma cota cheia de condições. De ser teu cansaço fácil quando de todo o meu cansaço ainda encontro meu descanso em ti.