Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Sem horas

Somente os minutos batiam naquela sala cheia de um cigarro só, dois cinzeiros e três cervejas que todos dividiam. Acho que cinco dos nossos; um dormia, então qualquer conta seria inestimável. Todos conectados, enroscados nas linhas invisíveis de uma rede que não prendia ninguém. Tudo rodava com o disco, o mesmo vinil porque insistíamos no passado, nenhum tinha se resolvido ainda. Ouvíamos cada música como se fosse distante, duvidando da próxima, crendo que tudo o que viesse seria sempre inapropriado, nos tirando daquele passado e nos realocando exatamente nele. Olhando pra tudo no mesmo lugar, percebi que ela era passado e apenas eu insistia no tempo. Afora era tudo presente. Na primeira vez que o disco arranhou e quis falhar, acordamos em dar uma volta pela cidade, era madrugada, mas ainda havia o barulho dos carros, o feriado nem sequer tinha começado e os paredões vibravam notas até então desconhecidas. Na segunda vez que paramos, ela me trouxe uma bebida forte e se apresentou. O lugar estava cheio e tudo girava em torno do palco, da voz e do violão, e de mim. No terceiro drinque, o futuro já anunciava uma ressaca daquelas e o esquecimento de tudo e de todas elas.