Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

sábado, 30 de abril de 2011

Alguma coisa de um sábado à noite

Vem e traz aquele velho e bom vinho barato pra gente beber. É sábado, você sabe que não costumo sair, que prefiro ficar em casa me resgatando nas músicas, nos livros, nos rabiscos, você sabe que costumo te esperar aos sábados, mesmo que você quase nunca venha. É triste, eu sei, esperar o que talvez não chegue, mas é mais triste ainda ter certeza de que não vai chegar e mesmo assim esperar. Então ao menos pensa em vir. Fico na sala deitada no sofá, como da última vez, você no quarto fingindo dormir, o vinho por terminar, a gente também. Tudo bem se ficam essas pendências, sempre foi bom abrir a geladeira e achar três dedos de vinho pra beber bem na hora exata, num sábado, quando fico sozinha em casa, como agora. Talvez eu compre mais amanhã, vá à praia no fim da tarde, sente na areia meio molhada e sinta os últimos raios de sol pintarem o céu de laranja, vermelho, roxo, azul-marinho. Você bem que poderia vir, trazer o vinho, dormir aqui, na minha cama, durmo no sofá, amanhã a gente vê o que faz. Te espero até meia-noite. Mas você sabe que enquanto não dormimos, o sábado vai continuar rolando, né? Talvez até amanhã de manhã ainda seja sábado pra mim. Ultimamente, meus dias tem se estendido até de manhã, é até interessante amarrar a semana assim, toda embaraçada. Passei o dia nesse computador hoje, não li nada de cult pra fazer a linha por ai, também não escrevi nada confuso pra entrar na moda complexada, só fiquei aqui curtindo as músicas, fazendo um cd bem misto, você sabe que eu gosto de fazer cds pra presentear. Conheci alguém. Não nesses chats da vida, você sabe que não faz o meu tipo. Na verdade, já conhecia, hoje só reconheci. Foi um dia de descobertas, de novas amarras, de desabafos, fiz um amor-amigo. Descobri que já tinha amores-amigos, só que esse é bem diferente, sei lá, meus olhos brilham doutro jeito, tenho vontade de me tornar melhor, de cuidar, de ser cuidada. Não precisa ter ciúmes não. É um encanto puro. Você sabe que eu me encanto pelo encantável. Tive saudade de quando me encantei por ti. Ainda me encanto, só que de outro jeito, esse lateja, às vezes dói. Andei lendo algumas coisinhas que te escrevi, você leu? Faz tempo desde que mandei e são tantas coisas. Algumas nem lembrava que havia escrito, me estranhei comigo mesma. Você bem que poderia ler, de novo. Aliás, você bem que poderia vir pra cá, trazer o vinho, lemos. Vai ser estranho, eu sei, ver palavras tão antigas, relembrar tudo e perto de mim. Certamente, quando leu, estava triste ou com raiva, você sabe que vivo fazendo besteira. Mas lembro de algumas cartas felizes, que você nunca respondeu. Nunca mais correspondeu o que tenho de bom, agora é só eu pisar na bola que os céus caem! Eu sei que você pensa em mim e também que escreve pra mim e que talvez nesse momento esteja pensando em vir pra cá, trazer aquele vinho, dormir na minha cama. Vem. Você sabe que sempre vou abrir o portão. Até porque se eu não abrir, você entra pela janela. Selecionei algumas músicas, você sabe que sou boa nas escolhas, vai gostar. Sinto que estou falando pro vento. O ruim de falar pro vento é que as palavras se misturam todas, pode haver mal entendido, você vai entender tudo errado. Então vem pra cá ouvir o que ainda tenho pra te dizer. Juro que durmo no sofá se você quiser, não precisa nem dizer, porque eu sei quando você quer, nunca quer. Não precisa nem trazer o vinho, ainda temos as músicas e no céu tá uma lua que dá a maior embriaguez, não duvido que o mar já esteja de ressaca. Sei que você talvez não venha e que sabe o quanto vou te odiar até adormecer. Então se não vier, não avisa, tá? Estou esperando.

Um balão, uma bola de canhão

Ando me sentindo tão cheia ultimamente. Cheia de clichês ou de nada muito comum, acho que de dúvidas ou de certezas, não sei exatamente. Só sei que me sinto extremamente cheia. É aquela sensação de comer sem fome, que não vê mais diferença nenhuma entre a boa ou péssima culinária, ou de comer porque precisa, porque o corpo desfalece, ou por gula, mas sem a mínima fome, completamente cheia, entupida até a alma. Nada tem graça nem desgraça, nem o preto nem o branco. Tão cheia que não faço mais questão de andar, estou cansada, sempre cansada, com sono, numa eterna sesta. Estou cheia de todos ou de mim, preciso me livrar de alguma parte que pese mais do que o mundo, não sei me jogo de dentro pra fora ou de fora pra dentro, não sei se ocupo o espaço ou se ele me ocupa, não sei se me movo lentamente ou se todos correm demais atrás da cura atropelando as cicatrizes. Acho que estou cheia das cicatrizes também e de todo esse papo de cura e de dor e de queda e de salto e de corrida e começos, recomeços, desfechos. Pode ser o tal ciclo ou a linha tênue, mas não me sinto nos extremos nem no centro, nem sei se estou por dentro. Ando cheia demais, sem fome, sem vontade. Sempre tive medo da conformação, mas não é isso também, estou parada porque nem o cotidiano conformista me instiga. Cheia do incomum, da conversa fiada, do desespero pra ser diferente, completamente igual. Não sei se morri semana passada, se sou cinzas à espera da renovação, se alguém me guardou em algum lugar seguro ou se me dissipei pelo ar, não me procuro. Talvez essa falta de fome seja fome em excesso, eu esteja inchada de alguma ressaca ou o álcool tenha fermentado minha mente, pode ser engano, pode ser uma ilusão, talvez eu possa não estar sentindo mais nada mesmo, nem esse peso todo que me cerca os pés. Cheia de indefinição e repetição. Viajei, não tive curiosidades, não fiz turismo barato nem predatório, apenas dormi do mesmo jeito num colchão diferente, vi pessoas diferentes fazendo as mesmas coisas, vi lugares diferentes com os mesmos ritmos. Pensei em largar a faculdade, mudar de curso, procurar um trabalho - em vão, tudo daria no mesmo fim. A questão é que estou cheia da vida e não tenho espaço pra me mexer dentro dela, preciso me esvaziar, abrir alguma ferida nova, deixar o sangue fluir, respirar. É o mesmo ciclo, mas eu tenho que sentir de novo o sangue correndo em minhas veias, esquentando a pulsação de um coração cheio de sabe lá o quê. Estou tão pesada e tão leve, que não me sinto, não sei se machuco ou se encanto, tenho medo de me movimentar e também de ficar parada. Tão cheia, que talvez já nem exista mais.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

a[L]titude

Não, não pare assim tão bruscamente, não cale mais ainda esse silêncio. Podemos continuar andando, mesmo assim devagarzinho, medindo as palavras e as quedas, quebrando aos poucos cada pedra que forma esse abismo e construir uma ponte de pedregulhos. Talvez volte nossa coragem de correr pelo chão frouxo. Ou o medo de cair grite, mas que grite, nada que cale, porque pelo grito também podemos continuar, mesmo parados. Só não pare e cale. Podemos nos jogar também, fingir voo, em silêncio, tudo o que tenha movimento, voz ou corpo, gesto ou imaginação. Que você vá pra lá e eu pra cá, mas que vá, porque noutra ponta é certeza o encontro, ou então que o lá e cá faça clá e de um nó fique os nós. Só não pare, que pedra parada se dissipa com o tempo, não seja o solo que eu piso, mas o caminho que eu faço.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Querer, poder, sentir...

Não penso em refletir se o mundo acabasse amanhã, mas sim se eu acabasse. O amanhã com o mundo e sem mim repercute totalmente diferente se tudo mais tivesse fim. O que eu faria se eu acabasse amanhã, mesmo sabendo que depois ainda ressoaria o meu eu por ai entre bocas e becos? O que diria?

Talvez falasse em descuido, descaso, desapego. Talvez gritasse independência hoje, morte amanhã! Talvez amasse pra fora, sem medo de magoar mais ninguém, amasse forte e delicadamente, sem receios sobre o outro. Talvez fizesse carinho, carrinhos pras crianças, pulasse da ponte direto no mar, dormisse na praia, dissesse em alto e bom tom o que tenho há tanto tempo enterrado nas minhas entranhas, o que me sufoca de um jeito tão indolor que só machuco os outros. Talvez assumisse que me importo demais ou não me importo mesmo. Talvez gritasse. Talvez corresse. Talvez mentisse ou dissesse toda a verdade. Quem sabe, até arriscasse, declarasse, assumisse. Talvez me permitisse a jogar meu coração por ai, minhas palavras mais desajustadas e sinceras. Talvez não chorasse nada ou o dia inteiro. Talvez ficasse, mesmo sem saber o que fazer. Minha solidão acostumada talvez mudasse de rumo e tomasse o seu, ao menos por um dia.

Não, eu não pediria desculpas, iria correndo mudar tudo de lugar, fazer tudo de novo ou novo.

O que você faria? O que diria?

Talvez possamos ficar sozinhas juntas.