Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

sábado, 30 de abril de 2011

Um balão, uma bola de canhão

Ando me sentindo tão cheia ultimamente. Cheia de clichês ou de nada muito comum, acho que de dúvidas ou de certezas, não sei exatamente. Só sei que me sinto extremamente cheia. É aquela sensação de comer sem fome, que não vê mais diferença nenhuma entre a boa ou péssima culinária, ou de comer porque precisa, porque o corpo desfalece, ou por gula, mas sem a mínima fome, completamente cheia, entupida até a alma. Nada tem graça nem desgraça, nem o preto nem o branco. Tão cheia que não faço mais questão de andar, estou cansada, sempre cansada, com sono, numa eterna sesta. Estou cheia de todos ou de mim, preciso me livrar de alguma parte que pese mais do que o mundo, não sei me jogo de dentro pra fora ou de fora pra dentro, não sei se ocupo o espaço ou se ele me ocupa, não sei se me movo lentamente ou se todos correm demais atrás da cura atropelando as cicatrizes. Acho que estou cheia das cicatrizes também e de todo esse papo de cura e de dor e de queda e de salto e de corrida e começos, recomeços, desfechos. Pode ser o tal ciclo ou a linha tênue, mas não me sinto nos extremos nem no centro, nem sei se estou por dentro. Ando cheia demais, sem fome, sem vontade. Sempre tive medo da conformação, mas não é isso também, estou parada porque nem o cotidiano conformista me instiga. Cheia do incomum, da conversa fiada, do desespero pra ser diferente, completamente igual. Não sei se morri semana passada, se sou cinzas à espera da renovação, se alguém me guardou em algum lugar seguro ou se me dissipei pelo ar, não me procuro. Talvez essa falta de fome seja fome em excesso, eu esteja inchada de alguma ressaca ou o álcool tenha fermentado minha mente, pode ser engano, pode ser uma ilusão, talvez eu possa não estar sentindo mais nada mesmo, nem esse peso todo que me cerca os pés. Cheia de indefinição e repetição. Viajei, não tive curiosidades, não fiz turismo barato nem predatório, apenas dormi do mesmo jeito num colchão diferente, vi pessoas diferentes fazendo as mesmas coisas, vi lugares diferentes com os mesmos ritmos. Pensei em largar a faculdade, mudar de curso, procurar um trabalho - em vão, tudo daria no mesmo fim. A questão é que estou cheia da vida e não tenho espaço pra me mexer dentro dela, preciso me esvaziar, abrir alguma ferida nova, deixar o sangue fluir, respirar. É o mesmo ciclo, mas eu tenho que sentir de novo o sangue correndo em minhas veias, esquentando a pulsação de um coração cheio de sabe lá o quê. Estou tão pesada e tão leve, que não me sinto, não sei se machuco ou se encanto, tenho medo de me movimentar e também de ficar parada. Tão cheia, que talvez já nem exista mais.

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