Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Pingos e batucada

Sobre a chuva, tão perto de mim
estejas tu, que goste dela simplesmente
não pense em amansá-la numa pintura
ou enquadrá-la numa poesia.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Do caos ao caso

 para Bruna Almeida.

Eram pretos. Aqueles olhos arredondados como amêndoas, nada tinham de castanho, nem claros nem escuros, mas pretos. Era um abismo rude que convergia com os fios dourados dos cabelos e da pele delicada, uma pedra bloqueando a ressaca de um mar já não tão insistente à beira da praia ou um milharal sem terra, suspenso. Preto, como uma noite iluminada apenas pelas luzes dos postes antigos que clareiam os caminhos bêbados dos boêmios e suas palavras murmuradas numa folha seca de papel amassado, posto em dúvida a cada tracejo trêmulo no canto do bar.

Ali, naquele bar, aqueles olhos iam se tornando negros, escurecendo junto à sombra de uma lua indecisa em suas formas, redonda ou oval, qual seria? Eu os via perseguindo qualquer coisa que não fossem as gotas do copo escorregando pelas curvas desalinhadas na mesa, me perseguiam com algum desinteresse eminente e me enclausuravam num escuro nauseante. Aquela negação me causava isso, desconforto e sem recusa eu me ia deslizando pelas pálpebras enigmáticas, afundando, decaindo num marasmo assustador, eu era só mais um nadando naquelas profundezas. Mais uma vez a delicadeza, de um toque sutil, mãos rodeando os cabelos, buscava expor uma luz escondida na mesma face onde aqueles olhos estavam descobertos, intimidando a quem ousasse desafiá-los a uma disputa injusta.

Ousado, fui sentindo minha leveza sendo sugada pra dentro daquele oceano, fundo de um poço habitado pelas mais estranhas criaturas marítimas. Talvez fosse um peixe naufragado e que agora descobria apenas os olhos e mantivesse o resto do corpo contornado por florescentes escondido detrás de uma rocha, tão firme quanto aquele olhar que reservava só para ele todas aquelas dores do mundo. Ou talvez fosse um abismo ao avesso, pois mantinha um sorriso aberto, destemido, contrastando com tudo mais que envolvia aquele cantinho à meia-luz. Eram dentes tão brancos, desesperados. E olhos pretos, frios. Me sentia caindo numa suavidade de oposições, sendo tomado por um redemoinho de ternura e desprezo daqueles olhares fixos, desinteressados. Eu, de olhos claros, estava totalmente vulnerável e agora já não controlava os indícios do amanhecer, estava com medo do próximo pôr-do-sol levar o que uma madrugada me trouxe em meio a tantos outros olhares e sorrisos evidentes.

domingo, 16 de maio de 2010

Selado

Quando falo alto e em bom tom
não é o que digo que quero realmente dizer
você deveria ser capaz de traduzir
induzir ou até deduzir
essas palavras de lagoa rasa
e ir além das superfícies
silenciosas e contraditórias
que reforçam essa cela

Quando falei o que queria dizer
sussurrei...

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Motivação

É sempre bom ter para que fazer o quê
ou fazer não sei para quê
ou por quem fazer o quê
ou por que fazer o quê
ou quem fazer por quê
ou por que fazer por quem
ou fazer o que para quem
ou não fazer, nem o quê nem o para nem o por
e nem o quem.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Guarda a chuva

No preto e no branco,
até mesmo no cinza e nas cinzas,
esse colorido resgata as cores que um dia de chuva
um dia levou
e traz um sol refletido nos mais belos espelhos d'água.