Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Nada demais

Foi só um amor-mal entendido que não soube perguntar se eu estava indo ou voltando quando nos esbarramos na porta da frente. Ele passou direto; eu o acompanharia se não tivesse dado as costas e retornado à cama, pensei que iria atrás de mim. Se não tivéssemos olhado para trás, nem teríamos notado o desencontro. Mas olhamos e mesmo assim seguimos rumo ao nosso próprio destino, nesse egoísmo inevitável de ser. Com ele, eu seria fragmentada, mas bastaria. Quero tanto ser que acabo sendo, sozinha, uma completude em falta, uma identidade plena que de nada me serve agora que ele veio e se foi sem ao menos dizer seu nome. Quero tanto ser que esqueço o que mais quero: ser quebrada assimetricamente e espalhada por ai, sendo tudo e nada, incompleta e cheia de defeitos, um erro orgulhoso por ser criticado, um maltrapilho de sentimentos desgovernados que desequilibrem minha razão me mantendo consciente, um devir angustiado à espera de um altar absoluto que me estagne e ponha um fim perfeito, uma esperança em infinita renovação, sendo feliz por não ser, estando com esse amor. Ser inteira por estar em pedaços.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Embaçada

Foi na beira do caminho
que encontrei uma rosa
vermelha embaçada
acolhida num cantinho
disfarçada numa borboleta
pronta pra voar
assustada
soluçando
não ousei tocar...

A rosa ficou e eu segui
pela beirada
num cantinho
acolhida e soluçando
disfarçada no voo da borboleta
que ousa cortar caminhos.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Morena-disritmia

As mágoas dela presas na janela
as palavras, na boca entreaberta
na corda bamba de um ritmo alterado


As lágrimas presas nos cílios postiços
as decepções pintadas, ajustadas
abafando o grito estúpido da fera

No copo mais uma promessa
um pedaço da noite, de açoites
no corpo marcado, cansado
os cabelos agitados
a roupa leve, a dança
os passos bem delineados

A morena dançarina
bailando nas nuvens do desespero
num tango sedutor
um samba tentador

Na janela, a boca presa
as mágoas entreabertas
num copo de lágrimas
prometidas à noite

Pintada de dança
os cabelos leves, o corpo agitado
um tango desesperado
num samba delineado
de uma morena magoada.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Agonia de ser

Minha vida é tentativa, vivo de tentativas, tolas insistências em vão. Ontem falhei. Hoje falho. Amanhã? Já não tenho pressa para o amanhã. Transformo cada segundo dessas noites efêmeras em infinitas fugas para o nunca mais. Luto a cada instante contra o que virá, o que é, e o que se foi tento expelir distante como num espirro em espontaneidade infantil. Estou aqui querendo ir embora, tentando ficar, tentando ir. Falho. Ajo inutilmente por nada. Ando em passos alternos, largos e curtos para o lugar nenhum. Em cada amanhecer imploro a noite quieta, cada despertar é em agonia abafada pelo sol. Me encontro perdida em desespero, morrendo todo dia, nascendo todo dia. Recrio-me para o fim me refugiando num tempo que não existe e transcendendo de mim para um eu qualquer, mantendo-me segura em meus próprios erros: motivos inventados pra disfarçar na culpa uma possível rejeição de quem me exige além dos meus propósitos. Redefino-me em obrigação por obrigação. Eu sou tentativa.

Canto à liberdade

Mais um dia, uma manhã sem sol, nublada, chovera a noite toda. Um mal estar a impediu de levantar antes da hora e fazer alguma coisa diferente, de aproveitar o tempo que não teria se acordasse na hora certa. Ficou na cama esperando o despertador tocar, quis dormir novamente, mas o sono deu lugar ao mal estar e agora só o que podia fazer era esperar.

Aquela mulher que mora sozinha numa casa relativamente pequena, vai ao trabalho, ama desesperadamente em silêncio o colega de trabalho, faz compras, cumpre os afazeres da casa e sociais, uma cidadã, tem manias, algumas insuportáveis, come pizza e sorvete aos sábados, não vai à igreja aos domingos, gosta de tango, mas não dança nada, ouve qualquer música pra dormir, usa sapatos da moda e roupas de grife, se veste mal em casa, é mais confortável, gosta de olhar para o céu à noite porque durante o dia a claridade dói na vista, quase não vai à praia, mas gosta do mar, nunca foi casada, não quer ter filhos, prefere andar de ônibus, não gosta de caminhar, só sai de casa para o trabalho ou quando extremamente necessário, como visitar os pais no natal, no dia das mães, dos pais, páscoa, não gosta de férias, lê sempre que o silêncio se torna desconcertante, gosta de poucas frutas, admira a fé, não acredita em deus, nem em paraíso, muito menos em inferno, tem um peixe no aquário e muitos enfeites, que vota todos os anos e assiste ao jornal diariamente é uma mulher livre. Presa em suas próprias escolhas, algumas necessárias, vive seus dias livremente iludida na sua autonomia. A tv anuncia um lançamento, carro do próximo verão, sinta a liberdade!, quanto custa? É preciso acreditar em tudo o que se vê e ouve, afinal é liberdade, e essa mulher é livre, esbanja satisfação em estar envolvida nas linhas dessa liberdade construída anos a fio. Liberdade que perpassa todos os discursos, enlaça e enforca; não a mesma do último canto, o canto solitário do cisne, o canto da liberdade. Mas essa mulher é livre.

Ainda na cama, segundos antes do despertador tocar, ela o desativou. Mais um dia livre de tudo e de todos a esperava no primeiro gole de café. Levantou bem na hora.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Brinde trincado

 para inaê.

— Aos grandes, artistas e cientistas do dia-a-dia, um brinde significativo, o primeiro gole, que sacia todos os desejos e anestesia todas as dores! Enquanto pessoas, ser humano degradante e vil espécie, o desprezo, o último gole, o escárnio do bêbado.
Pedro já passava do oitavo copo de cerveja esperando por Lara. Estava ali sozinho desde o início da noite, mais um pôr do sol, sozinho. Algumas menininhas passavam, sorriam, hesitavam se aproximar por avistarem outro copo na mesa, algumas até o cumprimentavam, o copo estava vazio mesmo, mas logo iam embora. Pedro era sério e não alimentava muita conversa, só bebia. Cada copo que virava era uma sensação diferente, esperança, decepção, raiva, conformismo, tristeza, dormência. Muitas vezes experimentava esses goles, sozinho, acompanhado, em bares, boates, festas insignificantes, outras raras valiam sua embriaguez. Desde que conheceu Lara, passou a beber mais, menos, confuso. Ela era inconstante, insaciável, desgastante. No começo esperava por ela tanto tempo que adormecia no sofá mesmo, no outro dia a ressaca o castigava, mas ele sempre esperava. As poucas lembranças o rodeavam e o faziam ir levando cada final de tarde pacífico, resignado. Dissuadia as verdades que ali se apresentavam com queixas, vivia se maldizendo, o mundo era desprezível. E era mesmo, um lugar miserável, um vírus egoísta disfarçado, cada um agindo por si e não assumindo suas intenções sobre o outro, justificativas baixas que qualquer um pode sentir, mas evita. Como já disseram por ai que só o que atinge a si é sentido realmente.
Os goles iam passando imperceptíveis, ele ia se enganando, ela ia pra lugar nenhum. Bêbado, cambaleando pelas calçadas, Pedro ia pra casa toda noite. Algumas vezes ela o dava um banho de água fria, outras vezes, quente, nesses dias em que um casal se cuida e se revela. Dormiam juntos uma vez por semana, quando ela tinha tempo, era uma fase conturbada que exigia muitos sacrifícios. Suas necessidades iam além da vidinha comum dele e o tempo estava sempre passando, era preciso aproveitá-lo, sugá-lo. Ela queria mais, mais do que apenas goles de cerveja no fim da noite. Queria talvez um vinho relativamente bom. Só que Pedro não gosta muito de vinho, embriaga rápido e ele bebe qualquer bebida no mesmo ritmo e intensidade. Ele gosta de sentir o tempo se esvair aos poucos, o chão se desequilibrar vagarosamente, e assim equilibrar seu corpo nas ondas do mundo do seu jeitinho, sem pressa nem pressão, seguro de si e mais crédulo. Mas desde que a conheceu, perdeu o equilíbrio, muitos conceitos mudaram, os olhos agora eram crus, outras verdades e não tão agradáveis, ele inquieto se desconstruía. Ela, incoerente, com seus questionamentos e teorias, gosta de vinho, adormece um dia ruim e se põe disposta no outro pronta pra guerra rotineira que suas escolhas lhe deram. Ele, desacreditado, prático e vulnerável, e seus goles, antes promissores da noite e distraídos, agora apaziguadores de um visionário falido, ainda não gosta muito, mas vai engolindo essa liberdade sutil e gradativamente amarga.
Apesar de tanto descaso, eles se amavam. Um amor apressado, desordenado, mas ainda assim amor. Por isso ele a esperava e ela ainda não tinha tempo, o amava demais pra largar seus ideais e jogar-se incondicionalmente num amor romântico, ingênuo e irreal. Lara sempre foi muito firme em suas decisões, não tão racional nem pessimista, mesmo estando num mundo péssimo conseguia se equilibrar na realidade nua, era forte. Ele a admirava, amava e esperava desfalecendo em cinzas e ressurgindo aos poucos, mais convicto, maduro, menos palhaço de bar que provoca tantos risos, pois agora ele percebia que as piadas não tem graça, mas sim o palhaço que se expõe ao ridículo, as pessoas gostam disso, sentem-se aliviadas quando os outros libertam seus defeitos e caem de seus altares, quando o ego é resumido a uma piada, alimentam-se da audácia do outro e vão vivendo em grandes bolhas arrogantes.
No décimo quinto copo, a cerveja já quente, Pedro ajeitou-se na cadeira dormente, tirou o dinheiro da carteira, chamou com ar de condenado o garçom e pagou a conta. Nada de Lara, a lua já estava cheia no céu, poucas nuvens, já dava pra ver as estrelas e fazia frio, ou talvez fosse só febre. Faltavam poucos goles pra tudo terminar e mais um dia de enganos concluir e reafirmar suas convenções, costurar o tempo com a mesma linha, a mesma agulha, mascarado, imerso nas armações traiçoeiras, no velho destino de tudo seguir em frente e nas contradições de viver o presente, repetindo as falas ensaiadas, sossegado nos costumes, quieto, ajustado. Por ora, Pedro ia com a noite como o dia.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Contra-retrato

Estou me negando tanto ultimamente. Nego o sol pela manhã e a chuva surpresa na calçada. Rejeito uma roupa diferente, um corte de cabelo e uma sandália da moda. Me nego a mim mesma. Fujo todo dia da rotina e caio num dia rotineiro de fuga. É o que vejo por ai. As pessoas fugindo e se negando, o que me faz normal e inserida nessa mesma realidade de mutações inertes. Algumas vezes me atrevo a questionar o outro e um espelho reflete em mim uma imagem distorcida e abafada. Vejo-o negar todo dia as mudanças forçando algo novo, mergulhar no mar de quimeras e nem sequer afundar, boiar num conformismo atormentado, desesperado buscando movimentos inéditos, porque o que é inédito é sempre melhor, o novo atrai bons fluidos, extrai o mofo dos móveis velhos, é ar puro, límpido, o novo é sensação de liberdade. O novo é só algo a mais desconhecido sem definição e por convenção bom, depois por dedução ruim e descartado. Nego-me a ver e sentir o mundo tal qual se apresenta. É um mundo negado, renegado, uma esfera contorcida. Um lugar onde todos negam a si mesmos e são ninguém afirmando a cada mudança-ilusão um novo eu, onde cada um tem medo de ser simplesmente o que é e vai vivendo recusando o que naturalmente muda, onde nego e assumo o que não sou e vou sendo esse ninguém de todo dia.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Seu Figura

Impressionante como hoje em dia as metáforas podem justificar tudo.
Falou merda: põe a desculpa na metáfora.
Fez merda: metáfora.


Bem... não foi exatamente isso que eu quis dizer...

domingo, 6 de dezembro de 2009

.

Não consigo
mais
escrever.

A gota d'água samba na ponta da torneira,
mas não cai.
As inquietaçãos transbordam e as palavras continuam imersas entre os receios.

Não quero errar.
Não vou acertar.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Gravidade Relativa

A insanidade anunciou mais uma vez que o poço das ilusões está transbordando. Dom Quixote voa em seus dragões, já eu, o vejo se arrastar pelo chão e puxar os pés de Sancho implorando com arrogância confirmações que o julguem sensato. Os carros estacionados por toda parte afirmam minha razão, estão parados, posso atravessar a rua. Mas o escuro que preenche as esquinas alerta os meus sentidos e me faz perceber que os carros, que continuam parados, podem se movimentar. Isso me mantém numa corda-bamba, equilibrando-me. Quando, se, caio, a queda me deixa marcas irreversíveis e dores por todo o corpo. Dores que só são sentidas porque me reergo, o que as tornam desejáveis. Dores que brincam junto comigo na borda do poço, onde sinto os calafrios dos riscos e ouço o eco dos desvarios, das loucuras disfarçadas que se afogam lá no fundo da mesma água que vejo meu reflexo, que limpo meu rosto marcado por lágrimas ressecadas, vencidas. Água que me banho todos os dias e me faz sentir o frescor da sua pureza. Se dela bebo, é porque nela sei caminhar sem escorregar, sem cair. E as ilusões estão ali, como bolhas de sabão, ensopando meus pés, mas explodindo antes de atingirem minha prudência, de interromperem minha caminhada e afogarem minha insanidade aventureira que cruza cachoeiras sem permanecer presa no encanto das quedas d'água.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Contra o espelho, sorri.

Eu queria ser como ela. Disfarçar toda dor num sorriso sutilmente desgraçado, afogar minhas miseráveis mágoas de amor ainda mais miserável em incontáveis copos de bebidas teatrais, conter em mim as palavras de desordem e difamação que causam espanto entre os amigos submersos nas mesmas ilusões e manter a harmonia nos bares caóticos que frequento. Eu poderia ser como ela e suprimir no âmago da minha carência os desejos mais soberbos e vis. Realmente poderia ser assim tão convencional e sujeito às leis morais de uma psicologia que esmaga e regra a liberdade do homem numa sequência de permissões intituladas lúcidas; ilusórias. Mas não! Sou este que desmorona das escadas e se expõe em carne viva, suscetível às prisões sociais e suas acusações covardes. Sou essa explosão indiscreta que incomoda a paz do casalzinho moderno, vendados até o pescoço com fita de matrimonio sagrado. Sou repleto de queixas e rugas, choro na madrugada e acordo com olhos inchados e olheiras fúnebres. Jorro toda a intensidade, todo o desvario até a última gota, mesmo que me custe todas as luas que já admiramos juntos. Minha máscara não cobre minhas feições nem descobre minha natureza crua. Poderia sim ser como ela, mas ainda assim não. Não cobiço tanta aflição dentro de mim me corroendo e matando aos poucos, me transformando num fruto das rotinas de sobrevivência, me tornando escravo das convenções. Não quero sentir o vazio amargo no outro dia dessas tentativas frustrantes. Quero assumir as dores e dissipar tudo de uma vez por algum tempo e não ser esmagado pelo nada de cada dia. Não quero deixar as desilusões arrancarem de mim pedaço por pedaço até que eu vire um corpo sustentado por mágoas, movido por aceitações e vestido de receios.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Não reciclável

Escrevo pra reciclar o lixo que polui minha mente, repleta de memórias descartáveis e bastante prejudiciais ao meio. Escrevo por acreditar no alívio que as palavras prometem, na renovação instantânea que cada letra mal escrita faz parecer real. Escrevo porque ainda sou iludida. Escrevo. Ainda.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

A Raça dos Desassossegados

À raça dos desassossegados pertencemos todos, negros e brancos, ricos e pobres, jovens e velhos, desde que tenhamos como característica desta raça comum, a inquietação que nos torna insuportavelmente exigentes com a gente mesmo e a ambição de vencer não os jogos, mas o tempo, este adversário implacável!

Desassossegados do mundo correm atrás da felicidade possível, e uma vez alcançado seu quinhão, não sossegam: saem atrás da felicidade improvável, aquela que se promete constante, aquela que ninguém nunca viu, e por isso sua raridade.

Desassossegados amam com atropelo, cultivam fantasias irreais de amores sublimes, fartos e eternos, são sabidamente apressados, cheio de ânsias e desejos, amam muito mais do necessitam e recebem menos amor do que planejavam.

Desassossegados pensam acordados e dormindo, pensam falando e escutando, pensam ao concordar e, quando discordam, pensam que pensam melhor, e pensam com clareza uns dias e com a mente turva em outros, e pensam tanto que pensam que descansam.

Desassossegados não podem mais ver o telejornal que choram, não podem sair mais às ruas que temem, não podem aceitar tanta gente crua habitando os topos das pirâmides e tanta gente cozida em filas, em madrugadas e no silêncio dos bueiros.

Desassossegados vestem-se de qualquer jeito, arrancam a pele dos dedos com os dentes, homens e mulheres soterrados, cavando uma abertura, tentando abrir uma janela emperrada, inventando uns desafios diferentes para sentir sua vida empurrada, desassossegados voltados pra frente.

Desassossegados desconfiam de si mesmos, se acusam e se defendem, contradizem-se, são fáceis e difíceis, acatam e desrespeitam as leis e seus próprios conceitos, tumultuados e irresistíveis seres que rastejam.

Desassossegados têm insônia e são gentis, lhes incomodam as verdades imutáveis, riem quando bebem, não enjoam, mas ficam tontos com tanta idéia solta, com tamanha esquizofrenia, não se acomodam em rede, leito, lamentam a paz que falta uma paz inconsciente.

Desta raça somos todos, eu sou, só sossego quando me aceito.

Texto de Martha Medeiros

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Dezessete e Trinta

A nostalgia dos sonos no fim da tarde revela toda a sensação sufocante que se esconde em mim. Os sonhos confundem-se com o pôr do sol e a minha mente adormece incerta. Tudo vai escurecendo paulatinamente, apago por algum tempo que não dura o suficiente pra me manter estável. Tempo instável. Ao acordar, me encontro rodeada por ausência e sinto falta de qualquer coisa que me prove que o pulsar do meu corpo é real e relativamente presente em qualquer outro pensamento. Algumas lágrimas escorrem em meu rosto, quase imperceptíveis à insensibilidade da minha pele. Estou sozinha e sem luz. Com os passos ainda sem rumo, cambaleando, procuro algo que alimente, que sustente. Meu espírito permanece intacto. Sobrevivo cicatrizada e mesmo não tendo nenhuma proteção contra ti permaneço sem nenhum corte profundo. Nada perfura minha solidão. Estática. A essência concisa de toda essa tristeza é repleta de desapontamento, sou contraste. E quando falo em 'antissocial', não deixo claro em minhas expressões a desilusão dessa vida. Ninguém entende o estilo das minhas palavras. Estilo fragmentado, palavras infinitas em si.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Sensação de ressaca...

Acordou com mais uma ressaca. Ontem havia sido um dia cheio, o copo esteve sempre cheio, e o corpo... Repleto das mesmas contradições. Afinal, por que o amor retoma qualquer assunto rotineiro?

Foi em casa buscar o resto das coisas que deixara no armário. Alguns perfumes, algumas moedas. Ele não estava. E quer saber? Bem melhor. Ou bem pior. Talvez quisesse olhar bem nos olhos e dizer o motivo por estar indo embora assim tão repentinamente. Não teria tido tudo o que um filho quer? Por que sair de casa queimando em pressa? Porque estava ardendo por dentro. Entrou no carro e colocou o cd confuso, assim ele dizia. — Músicas mais confusas, sem começo nem fim, nem letra nem nada. Só barulho, filho! Ria da opinião, era a idade, nem tão velho, nem tão novo, mas de outro tempo. De um tempo onde tudo era diferente, era normal. Hoje em dia tantas anomalias. — Já tá na idade de arranjar uma namorada, menino.

Passou na casa do Felipe e pegou os anestésicos. Eram ótimos pra ressaca. Na praia, já bambo, passos inebriantes seguindo o ritmo de suas músicas, mergulhou no mar. Sua mente enrolava nas algas e se afogava nas mentiras que contava a si mesmo. Salgado, deitou-se na areia da praia. Achava desconfortável aquele grude que ficava: areia e água salgada, brisa, vento sem direção. Mas deitou-se e mirou o sol. Queimava. Por alguns instantes saiu de si, apenas um zumbido o guiava pelo pensamento que tentava resgatar a todo custo, tentava permanecer sóbrio. Todos os dias tentava. Mas aquele sentimento o sufocava e o obrigava a fugir. A adormecer. Desgastado, perdeu mais uma vez o por-do-sol.

Naquele apartamento de um só quarto, aluguel barato, poucos móveis, se sentia como um estranho. Paredes desconhecidas, cama pequena, água na geladeira. O sacrifício da negação, da renúncia. Passaria a qualquer momento aquele amor que consumia a sua sobriedade. Esperaria ali, entranhado em segredo.

Amor. Um dia engana qualquer filósofo e o desaba numa loucura óbvia. Céticos aplaudem as desilusões. Cínicos fingem. Alguns questionam, outros condenam. O para sempre acaba, o efêmero não era verdadeiro, o obcecado passou dos limites, o desligado é insensível, o traidor não ama, a poligamia é absurdo, a monogamia é dependência, o romântico não tem amor próprio, o amor é impossível, é maior, é sublime. Esse amor, que o homem reverencia, não se sente capaz, não quer assumir a si mesmo, sente receio de ser arrogante, e acaba sufocando o seu instinto com tanto moralismo, é repressão, implosão, morte lenta da essência.

— Pai, eu amo você. Mas não... Por favor, olha pra mim. Eu amo... Só ouve. Ouve. Louco? Loucura? Não! Não. Não... Não entende. Eu preciso... Eu não sei. Anormal?! Não é só admiração. É amor! Sim, é amor. Por que não existe? Convenção? Invenção? Deus não tem nada a ver com isso, pai. Procriação? Pai... eu não queria... ir embora...

Sabia que seria pior se assumisse e se consumiu. Dia após dia ia sumindo. Conseguiu um empréstimo e mudou de cidade. Cidade grande, movimentada, apressada, desligada, cheia de festas, cheia de noites. Numa dessas festas, percebeu uns olhos insistentes procurando pelos seus, quase extintos. Pouca conversa, muitas doses de delírio e uma noite-extase. Os corpos consumidos e sedentos, a renovação imediata do outro dia, a queda em outro abismo, a efemeridade da sensação humana e o gosto pela razão questionadora. Tudo insistia numa resposta obrigatória, numa determinação. A dor de cabeça incomodava a sua contradição. É? Pode ser? O que é? Amor?

— Não, eu não te amo. Acho que ninguém ama. Amor é isso? Então não é amor. Pode ser tudo, menos amor. Sim, só sei o que não é amor, e amor não é nada.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Tardes.

Em dias tão quentes e em noites tão frias
Era como se o quente do asfalto congelasse os meus pés
E queimasse a minha alma, despertasse alguma motivação
Na coordenação sustentável da vida...


Anelo ver passarem-se os dias de maneira fortuita
Recebendo como presente o dia preenchido pela tua ausência,
E a noite repleta de ti, representada pela tua saudade...


Tua presença me faz ficar mais rutilante de vida
Que chego a ficar sem palavras diante de ti;

Porém, mesmo sem sucesso, enfrento o fracasso com palavras erguidas
E expressões rígidas de quem tem controle sobre si,
Mantendo-me na fronteira da loucura...

 
(Poema dadaísta de bar; autores: Ed, Fer, Su, Che)

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

silêncio-inspiração

Minha mãe quer que eu tenha um jardim maior e melhor do que o dela. Mas o que ela não entende é que as flores do meu jardim não querem ficar num cantinho do quintal, elas querem se espalhar por ali, por todo canto. Violetas, girassóis, margaridas, tulipas, papoulas, lírios...

Um mundo no jardim.

Hoje, meditei. Meu Deus foi o sol, Maria foi a lua, minha energia veio da tempestade da areia da praia e o mar foi meu guia. Quando pus a mão no coração pra desejar o bem a todos que me rodeiam, joguei todos num círculo que se formou na praia do meu ser, era paz lá em cima e apenas os observei lá debaixo.

Um tornado em mim e à parte de mim.

domingo, 4 de outubro de 2009

Curvas tingidas de cinza

Corpos que suam
nus
Corpos que chocam
crus
Corpos efervescentes
queimam

Corpos que harmonizam a noite com ruídos de ondas de calor. A cama, o quarto, as portas fechadas com brechas de convite e nenhuma preocupação. Corpos que pedem plateia. O palco e o público, ele, ela, eles. A cena interpretada, improvisada, detalhadamente preenchida por pingos de exaustão. Respirações ofegantes de um ritmo desritmado, êxtase. Corpos que dançam um tango brasileiro, corpos que sambam na corda bamba, equilibram-se entres as curvas do picadeiro. O palhaço e o mágico, o domador de leões e a bailarina, o atirador de facas e o malabarista. Corpos que desenham e inventam, transcendem em si, revelam-se. Riscam o tempo com cores mistas, quentes, reluzentes.

Diego foi o primeiro a acordar naquela manhã. Fixou ternamente os olhos de Carmen, as formas de seu corpo, as ondas de seus cabelos. Ela ainda dormia, ele tinha o sono leve. Só após alguns minutos Carmen sentiu o olhar de Diego fitá-la e despertou.

— Precisamos conversar, Diego.

Esquivou-se do olhar dela como se soubesse a intenção daquela conversa. Há alguns dias havia visto Carmen e Rodrigo conversando no corredor da faculdade; ao aproximar-se dos dois sentiu um ar de precaução entre as palavras, mas disfarçou bem o brilho nos olhos que anunciavam uma lágrima, conseguira o estágio no museu de artes que tanto queria e fora ao seu encontro pra dar a notícia. Da surpresa que planejou, foi surpreendido. Aqueles olhares eram indiscretos demais e ele, perceptivo.

— Nossas noites têm sido maravilhosas. Tão mágicas e repletas de paixão, que chego a me assustar! Tenho medo do que possa se tornar tanto sentimento. Nossas conversas, compreensivas, apesar de curtas, me fazem tão bem que já não me preocupo tanto com os foras que levo da vida. Ter você a meu lado é como ter tudo o que qualquer garota gostaria de ter. Mas...

Os olhos de Carmen eram indiscretos. E a voz, maliciosa. Os quadros que Diego pintara desde que a conheceu refletiam cada gesto dela, agora eram vívidos e misteriosos. De cor em cor, traço em traço, apaixonou-se, mesmo sabendo desde o começo onde se metera. Como artista, arriscou-se.

— Você não precisa dizer muita coisa. Nunca precisou. Carmen, sei exatamente o que vem depois dos seus "mas"; sempre imprecisos e gaguejantes. A porta sempre esteve aberta para você ir e vir.

Vestiu-se. Precisava pintar as paredes do quarto, há tempos adiara e agora estavam assim sem cor e manchadas pelo tempo abafado. A cama, ainda desarrumada, suportava o peso das palavras de Carmen. Sempre evitou despedidas e desfechos, só não os que eram encenados por ele.

— Diego... Não precisa ficar tão chateado. Na verdade não sei o que exatamente quero dizer. Depois de ontem, sinto tudo embaralhado em meu coração. A única certeza que tenho é de que quero estar com você. Mas não quero.

— Entendo.

E saiu pela porta entreaberta rumo à aula de literatura portuguesa. A lágrima que desceu em seu rosto secou antes mesmo que dobrasse o corredor. Mesmo assim, não se esforçou para sorrir. Em seus pensamentos se passaram raros assuntos extracurriculares: as paredes precisam ser pintadas, cores neutras; tomara que o quarto esteja arrumado, como deixei ontem. Após a aula foi dar uma volta pela cidade antes de ir ao estágio. Ao longe, num banco meio escondido entre árvores secas de outono, avistou um casal: o quadro daquela noite encheria o quarto de sensações e as paredes não precisariam mais ser pintadas. Sem refletir sobre qualquer coisa nem mais nada, continuou a caminhada. O museu logo estaria cheio.

Corpos que sugam, reinventam e mentem.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Só mais um copo...

Quando você começa a usar uma droga, ela parece te iniciar num ritual infinito de puro êxtase. O tempo vai esvaindo, o efeito vai constante... Até que chega a um ponto em que você simplesmente não suporta mais. Nem uma gota. Apesar de ser intensamente boa, exige um fim com ponto final; nada de reticências.

A opinião não muda, só os fatos. E eu quero um fim. Eu quero o diferente. E posso, ao menos, querer! Não posso? Não posso mais calar meu eu. Não quero, não suporto.

Ao menos querer.

Canso de tanta repressão. Meu corpo exige liberdade. Liberdade de mim mesma.

Desabafo. Exijo. Apesar de tudo... Eu posso, ao menos, querer. Posso. E quero solidão, onde eu posso e sou livre.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Rimas que necessitam

O que me contradiz
não diz quem sou
Perco-me num ciclo
de contradições
Num vício
de relações
Um vínculo
sem interrupções
Meus olhos
não costuram mais
a minha coragem
E a minha força
não reflete mais
a minha imagem
O que fui
não voltarei
O que sou
não acostumarei
E o que digo...
Nunca serei.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Monólogo

— tenho poucas personagens, por isso minha vida é tão monótona.
— você tem que aprender a representar.
— não consigo ir tão longe.
— o mundo é uma farsa.
— que me esmaga todos os dias.
— assim você não consegue "ir levando".
— mas eu tenho medo.
— medo? todos temos medo. representamos coragem e é fácil.
— não sei.
— você é um tolo. ter medo de encenações, onde já se viu?
— não sei do que tenho medo: se de como o mundo irá me ver ou de me ver como o mundo.
— bobagem.
— fraqueza?
— as máscaras estão disponíveis para quem quiser. sorria mais!
— incomodam-me à noite.
— é só não pensar. você pensa que eles pensam? fingem que pensam. fingem que acreditam. fingem que são. o mundo finge, meu caro. o tempo todo.
— o mundo me sufoca.
— você se sufoca.
— eu me tenho dentro de mim.
— finja. tristeza, felicidade, não importa; o importante é ser.
— mas eu sou!
— ser só para si não é ser. é preciso ser para todos.
— sou para mim e já não sinto quem sou. ser para o mundo é arriscado.
— riscos fazem parte.
— cansei de encenar.
— então...
— então decidi ir para casa e não assistir mais a esse espetáculo.
— você é tédio.
— Sou.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Aliterações.

As mágoas dela são iguais.
As mesmas palavras, o mesmo ritmo, as mesmas decepções.
As lágrimas que me fogem hoje, idênticas as de outrora.
A dor...

A mesma.
As mesmas.

ou Tu que és igual?

Nenhuma novidade passará por ti daqui pra frente.
Só os outros terão a maravilhosa sensação da primeira vez.

Fica-te, paixão!
Que eu sigo.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A menina e O palhaço

Ela sorri, está no circo. O palhaço faz piruetas no picadeiro e ela sorri. Ela gosta dos malabaristas, da bailarina, do mágico, do contorcionista, das cores, das luzes e da plateia. Mas o palhaço... Ele a faz sorrir. Quando ela olha para a plateia, sente orgulho de si mesma, vê um espelho. Todos sorrindo, exceto o bebê que prefere descansar o choro no colo da mãe.

Brigou com os pais, terminou o namoro, desistiu da faculdade, do curso de línguas, do curso de música, do curso... não quer fazer cenas, quer encenar. E lá estava ela na plateia, assistindo ao sorriso do palhaço e sorrindo. Todos estavam sorrindo.

Perdeu o emprego, assinou o divórcio, perdeu a guarda dos filhos, o cachorro fugiu, a hipoteca venceu, cortaram a água, o telefone e a luz. Pintou o rosto. E lá estava ele no picadeiro assistindo ao sorriso dela e sorrindo.

O pneu do carro furou, foi traído, traiu, quebrou o braço, ficou grávida por acidente, discutiu com a mãe, demitiu o funcionário, foi expulso da escola, escondeu o doce, bateu no filho, bateu o carro, perdeu a aposta, o pai morreu, o computador quebrou, a loja faliu, o dinheiro acabou, a comida venceu, ficou doente. E lá estavam eles no circo sorrindo.

Ela sorri.
O palhaço sorri.
A plateia sorri.
E todos choram.
O circo está armado.