para inaê.
— Aos
grandes, artistas e cientistas do dia-a-dia, um brinde significativo, o
primeiro gole, que sacia todos os desejos e anestesia todas as dores!
Enquanto pessoas, ser humano degradante e vil espécie, o desprezo, o
último gole, o escárnio do bêbado.
Pedro já
passava do oitavo copo de cerveja esperando por Lara. Estava ali sozinho desde
o início da noite, mais um pôr do sol, sozinho. Algumas menininhas passavam,
sorriam, hesitavam se aproximar por avistarem outro copo na mesa, algumas até o
cumprimentavam, o copo estava vazio mesmo, mas logo iam embora. Pedro era sério
e não alimentava muita conversa, só bebia. Cada copo que virava era uma
sensação diferente, esperança, decepção, raiva, conformismo, tristeza,
dormência. Muitas vezes experimentava esses goles, sozinho, acompanhado, em
bares, boates, festas insignificantes, outras raras valiam sua embriaguez. Desde
que conheceu Lara, passou a beber mais, menos, confuso. Ela era inconstante,
insaciável, desgastante. No começo esperava por ela tanto tempo que adormecia
no sofá mesmo, no outro dia a ressaca o castigava, mas ele sempre esperava. As
poucas lembranças o rodeavam e o faziam ir levando cada final de tarde
pacífico, resignado. Dissuadia as verdades que ali se apresentavam com queixas,
vivia se maldizendo, o mundo era desprezível. E era mesmo, um lugar miserável,
um vírus egoísta disfarçado, cada um agindo por si e não assumindo suas
intenções sobre o outro, justificativas baixas que qualquer um pode sentir, mas
evita. Como já disseram por ai que só o que atinge a si é sentido realmente.
Os goles
iam passando imperceptíveis, ele ia se enganando, ela ia pra lugar nenhum.
Bêbado, cambaleando pelas calçadas, Pedro ia pra casa toda noite. Algumas vezes
ela o dava um banho de água fria, outras vezes, quente, nesses dias em que um
casal se cuida e se revela. Dormiam juntos uma vez por semana, quando ela tinha
tempo, era uma fase conturbada que exigia muitos sacrifícios. Suas necessidades
iam além da vidinha comum dele e o tempo estava sempre passando, era preciso
aproveitá-lo, sugá-lo. Ela queria mais, mais do que apenas goles de cerveja no
fim da noite. Queria talvez um vinho relativamente bom. Só que Pedro não gosta
muito de vinho, embriaga rápido e ele bebe qualquer bebida no mesmo ritmo e
intensidade. Ele gosta de sentir o tempo se esvair aos poucos, o chão se
desequilibrar vagarosamente, e assim equilibrar seu corpo nas ondas do mundo do
seu jeitinho, sem pressa nem pressão, seguro de si e mais crédulo. Mas desde
que a conheceu, perdeu o equilíbrio, muitos conceitos mudaram, os olhos agora
eram crus, outras verdades e não tão agradáveis, ele inquieto se desconstruía.
Ela, incoerente, com seus questionamentos e teorias, gosta de vinho, adormece
um dia ruim e se põe disposta no outro pronta pra guerra rotineira que suas
escolhas lhe deram. Ele, desacreditado, prático e vulnerável, e seus goles,
antes promissores da noite e distraídos, agora apaziguadores de um visionário
falido, ainda não gosta muito, mas vai engolindo essa liberdade sutil e
gradativamente amarga.
Apesar de
tanto descaso, eles se amavam. Um amor apressado, desordenado, mas ainda assim
amor. Por isso ele a esperava e ela ainda não tinha tempo, o amava demais pra
largar seus ideais e jogar-se incondicionalmente num amor romântico, ingênuo e
irreal. Lara sempre foi muito firme em suas decisões, não tão racional nem
pessimista, mesmo estando num mundo péssimo conseguia se equilibrar na
realidade nua, era forte. Ele a admirava, amava e esperava desfalecendo em
cinzas e ressurgindo aos poucos, mais convicto, maduro, menos palhaço de bar
que provoca tantos risos, pois agora ele percebia que as piadas não
tem graça, mas sim o palhaço que se expõe ao ridículo, as pessoas gostam
disso, sentem-se aliviadas quando os outros libertam seus defeitos e caem de seus
altares, quando o ego é resumido a uma piada, alimentam-se da audácia do outro
e vão vivendo em grandes bolhas arrogantes.
No décimo
quinto copo, a cerveja já quente, Pedro ajeitou-se na cadeira dormente, tirou o
dinheiro da carteira, chamou com ar de condenado o garçom e pagou a conta. Nada
de Lara, a lua já estava cheia no céu, poucas nuvens, já dava pra ver as
estrelas e fazia frio, ou talvez fosse só febre. Faltavam poucos goles pra tudo
terminar e mais um dia de enganos concluir e reafirmar suas convenções, costurar
o tempo com a mesma linha, a mesma agulha, mascarado, imerso nas armações
traiçoeiras, no velho destino de tudo seguir em frente e nas contradições de
viver o presente, repetindo as falas ensaiadas, sossegado nos costumes, quieto,
ajustado. Por ora, Pedro ia com a noite como o dia.
2 comentários:
é eu e tu?
hehehehe!!!
você me surpreende quando escreve! Acho que você podia mostrar isso pra algum professor vai que ele consegue uma publicação. São maravilhosos, peixe!!!!
eu nem acho. u.u"
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