Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Canto à liberdade

Mais um dia, uma manhã sem sol, nublada, chovera a noite toda. Um mal estar a impediu de levantar antes da hora e fazer alguma coisa diferente, de aproveitar o tempo que não teria se acordasse na hora certa. Ficou na cama esperando o despertador tocar, quis dormir novamente, mas o sono deu lugar ao mal estar e agora só o que podia fazer era esperar.

Aquela mulher que mora sozinha numa casa relativamente pequena, vai ao trabalho, ama desesperadamente em silêncio o colega de trabalho, faz compras, cumpre os afazeres da casa e sociais, uma cidadã, tem manias, algumas insuportáveis, come pizza e sorvete aos sábados, não vai à igreja aos domingos, gosta de tango, mas não dança nada, ouve qualquer música pra dormir, usa sapatos da moda e roupas de grife, se veste mal em casa, é mais confortável, gosta de olhar para o céu à noite porque durante o dia a claridade dói na vista, quase não vai à praia, mas gosta do mar, nunca foi casada, não quer ter filhos, prefere andar de ônibus, não gosta de caminhar, só sai de casa para o trabalho ou quando extremamente necessário, como visitar os pais no natal, no dia das mães, dos pais, páscoa, não gosta de férias, lê sempre que o silêncio se torna desconcertante, gosta de poucas frutas, admira a fé, não acredita em deus, nem em paraíso, muito menos em inferno, tem um peixe no aquário e muitos enfeites, que vota todos os anos e assiste ao jornal diariamente é uma mulher livre. Presa em suas próprias escolhas, algumas necessárias, vive seus dias livremente iludida na sua autonomia. A tv anuncia um lançamento, carro do próximo verão, sinta a liberdade!, quanto custa? É preciso acreditar em tudo o que se vê e ouve, afinal é liberdade, e essa mulher é livre, esbanja satisfação em estar envolvida nas linhas dessa liberdade construída anos a fio. Liberdade que perpassa todos os discursos, enlaça e enforca; não a mesma do último canto, o canto solitário do cisne, o canto da liberdade. Mas essa mulher é livre.

Ainda na cama, segundos antes do despertador tocar, ela o desativou. Mais um dia livre de tudo e de todos a esperava no primeiro gole de café. Levantou bem na hora.

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