Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

terça-feira, 31 de março de 2015

Guilhotina

Ame. Coma vegetais. Beba água. Caminhe. Escove os dentes. Durma. Tive uns sonhos noite passada, em todos houve uma pausa embaçada, e despertei; cada sonho, uma recordação, uma vontade, um travesseiro. Logo adormecido. Já na manhã decidi mudar a rotina e começar pelo café da manhã, deixei pra sentir sua falta só depois do almoço, que não comi, emendei o trabalho e remendei alguns trapos esquecidos. No final da tarde, pulei o chocolate com o carinha da gráfica e a cerveja desacompanhada da menina do bar, fui direto ao cinema e vi filme nenhum, desisti na entrada e joguei o ingresso no lixo; deixei o outro que havia comprado por costume na beirada da lata. Peguei o primeiro ônibus que passou e me perdi quando dobrou a primeira esquina, desci e continuei meu trajeto a pé a lugar qualquer. Tentei mudar minha rotina, mas acabei fazendo tudo de novo, então, enquanto entrava no táxi, resolvi te ligar pra contar do meu dia, como te contava dos meus sonhos, como te falava das coisas que me lembravam de você. Depois do terceiro toque, joguei o telefone pela janela e decidi encomendar outro travesseiro, outro lençol e outra vida. Cortei tudo o que não me fazia.

quinta-feira, 26 de março de 2015

A dor que não é minha

O som emudece de segundo em segundo 
Aos poucos se torna constante 
E em instantes 
Percebo que não estamos sós 
É o aparelho que delineia 
Gota a gota 
Um destino sem desatino 
Que esperneia 
Mas desfalece num pingo 
 Num suspiro 
O que era vida, o que era tida 
Como um filho 
Como um pai 
Ou um sobrinho 
Pois tudo se escorre 
Sempre a sangue frio 
Todo aquele que não se socorre 
Tudo aquilo que se tem por um fio
Tudo aquilo que se tem por vida.

sábado, 14 de março de 2015

Aquemquiser

À beira da despedida, o desperdício do tempo. Já dava quase o último trago quando ele resolveu aparecer. A chuva cessara, mas o clima ainda pesava, mantive o guarda-chuva aberto com a outra mão. Nos demos um breve “oi” e entramos. Sem muita conversa, pedi o prato de sempre e o encarei, esperando que desse a primeira palavra, ou pelo menos o último adeus. Hesitou antes de dizer que me visitaria em breve ou que eu poderia ir a qualquer momento vê-lo, que a porta estaria aberta a qualquer hora; não dei muita atenção, pois nunca havia sequer tido porta, nem convite, nem disposição. Só havia minha vontade e impulsividade que me fazia ir encontrá-lo, nunca me dei o privilégio de negar meus desejos e esperar que os dos outros me mostrassem o quanto ainda me desejavam. O tempo sempre foi coisa do passado pra mim. Estávamos ali, encostados, inventando assunto pra curar a distância que já nos separava e desatar o nó que não podia mais nos prender naquela cidade. Partiríamos enfim. Quando começou a resgatar nossos momentos de plenitude, o interrompi, deixei a taça do melhor vinho dali pela metade e parti. Decidi dar ouvidos apenas ao que estivesse por vir e me joguei no primeiro táxi em direção ao centro, onde me esperava algum desconhecido que se despediria da forma simples e composta que pedia aquele clima: uma cerveja, um cigarro, uma transa, um adeus, e nada mais que isso.

domingo, 1 de março de 2015

Solo


Adiei meu amor por mais um dia,
coloquei tudo de lado,
busquei conforto num canto do quarto
e dormi no colo do travesseiro.