Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Reestruturação

Por alguns momentos perdi o fio da meada...
Mas foi até bom
ampliar, absorver e filtrar
algumas coisas
manter um foco agora complementado.
Como se ir e ver além de si tivesse transformado o vir a ser.

Estou mais e menos do que fui
nada do que seria
e tudo do que sou.

Como um cubo mágico que precisa ser desconfigurado pra ter sentido.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Os últimos cigarros da noite

Os sonhos de fumaça que atormentam meu sono
me lembram uma noite remota em que repousava noutras nuvens.

São nestas ondas que mergulho ultimamente.
E só tenho me afogado em todo ar que as constituem, vazio...
Mas é também nessa falsa densidade que me encontro e permaneço inativa
Imersa num profundo e silencioso marasmo.

... you gave me three cigarettes to smoke my tears away.

sábado, 17 de abril de 2010

Melodias de Orfeu


... Quando ele tocava, os pássaros paravam de voar para ouví-lo e os animais selvagens perdiam o medo. Orfeu era casado com Euridice, dona de uma beleza singular, a qual amava mais do que a música e pela qual interessou-se Aristeu. Ela não o quis, foi perseguida e na tentativa de escapar, tropeçou em uma serpente e foi picada, era Cirene, a mãe de Aristeu que transformara-se para matar aquela que ousava rejeitar seu filho. A morte de Euridice causou tamanha dor em Orfeu que, depois de tanto sofrer, desceu ao mundo dos mortos com sua lira para resgatar a amada. Após adormecer Cerbéro com sua canção, chegou ao trono de Hades. A música de Orfeu fez-lhe chorar lágrimas de ferro! Perséfone, esposa de Hades, implorou-lhe que atendesse ao pedido do músico. Hades permitiu que Euridice retornasse à vida, mas com uma condição: Orfeu só poderia olhá-la quando estivessem à luz do sol. Assim, partiram por entre as sombras ao som da lira de Orfeu, que tocava para guiar a amada. Mas quanto mais se aproximava da superfície, mais crescia sua dúvida. Não tinha certeza se Hades deveras a tinha libertado para voltar à vida. Então Orfeu quis certificar-se de que ela o seguia e olhou para trás, para Euridice, que imediatamente retornou ao mundo dos mortos para sempre. Orfeu, amargurado, nunca mais olhou para outra mulher. Até que um dia, as mulheres selvagens, Mênades, cansadas de serem desprezadas por ele, o mataram cruelmente. Desde então, os rouxinóis cantam mais docemente do que nunca, pois Orfeu e Euridice estão juntos de novo.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Andarilho

Poderia não ter ido andando até à faculdade. Estava relativamente perto, mas ainda assim longe. Preferiu ir andando. Fones no ouvido, volume ao máximo, música qualquer e aleatória, sol forte de meio-dia e passos apressados esbarrando na calma de seu caminhar. Por alguns instantes, perdeu-se do caminho, deve ter entrado numa ruazinha sem querer, um pequeno desvio de atenção, mesmo conhecendo todos aqueles caminhos. Não teve receios nem cansaço, continuaria andando, cortando ruas agora desconhecidas, até que retornasse aos passos de antes. Foi entre esses passos inseguros, mas insistentes, que também perdeu o pensamento que tanto a atormentava naqueles dias.

"Se um dia fores embora, te amarei bem mais do que essa hora", as perdas de novo. Havia culpa, a quem culpar? Preferia não pensar tanto, apenas andar sob o sol do meio-dia. Nada mais. Como se aquele calor pudesse derreter o que havia restado, dia-a-dia transpirasse mais uma perda. Sempre perdendo. "Fiquei tentado ao jogo de te ver só", de te perder, murmurou. Não, não somos nós que complicamos, é deveras complicado, pensava. Complicado por ser simples demais. É só isso, é apenas aquilo, somente, simplesmente. E essa quebra de braço está piorando tudo! acendeu um cigarro. Poderia manter-se assim, caminhando, evitando aqueles pensamentos em cada passo cuidadoso pra não tropeçar em alguma pedra ou escorregar em alguma poça, poderia continuar andando ou até mesmo correndo, com os fones no ouvido, a música qualquer e as pressas alheias. Mas percebeu que já estava ali, exatamente ali e pensando. E perdendo. E andando. E sentindo. Não queria mais sentir, estava cansada, estava muito cansada e com os pés machucados. Quanto mais andasse, mais sentiria, mais adormeceria, mais calejaria. E andava. Os passos às vezes se confundiam e ela pensava, esquecia dos cuidados e se perdia. Ou se perdia, esquecia dos cuidados e pensava.

"Eu vou lá, que andar é reconhecer", e ela reconheceu aquela rua que dobrava a próxima esquina, depois da pedra mal colocada que desequilibrou aqueles passos e aquele caminho encontrado, um acaso. O sangue e a sensação agora a faziam perceber-se viva, uma vida de cor e dor forte, sentida. Olhou para os lados, ninguém, além da calçada, do sangue e da sensação, sorriu, pensou em sentar no acostamento, doía, mas precisava continuar. Mancando, seguiu pelas beiradas, pensando, esquecendo, lembrando. Por quê? Um fim tão instantâneo em tanto sentimento e tanta vontade de arrancá-lo dali, do fim, do começo, de qualquer recordação, de qualquer incômodo. Doía. Em cada passo, uma mágoa, uma saudade, entre cada passada, um passado que construia as superfícies das calçadas. Andava. Anestesiada, os pés sujos, o sangue estancado, o suor contido, entrou na sala. Lá estava ele, suado, talvez tivesse andado também.

Memória, poeira e lixo

Não sou apegada a coisas materiais. Bem, minha ascendência taurina até que me tende a ser um pouco, mas só um pouquinho. A pisciana aqui tem outras prioridades. Na verdade, não. Sou sim apegada. Ao meu dicionário de Filosofia (DE FILOSOFIA!), aos meus cds piratas cheios de sentimento e segredos, aos meus queridos ursinhos herança de família e poucos presentes de ex-desconhecidos, aos meus livros inúteis, a alguns brinquedos que ainda cheiram àquela infância feliz que nem foi tão feliz assim, mas são meus brinquedos e minha infância, então não importa se foi feliz ou não, minha. Também fui apegada às provas da escola, mas essas descartei quando encontrei um grande amor que não era tão apegado assim e queria que eu me libertasse desses objetos impregnados de passado e carregados de energia negativa. Ainda estou tentando jogar fora esse amor também, apesar dele não ser tão maléfico quanto os objetos que ele definiu. Até hoje me arrependo... aquelas provas, aiai. Terei um quartinho exclusivo pro passado, nem sofro ó. Quero é ter o que é meu, e se puder o que não é também, ser dona. Como esse maldito amor que me joga fora, recicla, joga, desamassa, joga todo dia. Qualquer dia arrumo um tempinho pra dar um jeito nele, vou até tentar jogar fora todas as lembranças dele que guardo numa caixinha. Não, nem vou. Nem quero. Assim posso tê-lo, mesmo que em parte, metade da metade da metade que gostaria de ter. Dele guardei até o primeiro fio de cabelo branco, na carteira, pena que fui roubada há algum tempo. Foi junto com a foto 3x4 que guardava num lugar secreto. Queria construir outras caixinhas, isso sim. Ou ter só essa. Ou ter mais caixinhas dessa. Ou reconstruir em tamanho maior. Enfim... Hoje decidi olhar minhas pequenas coisinhas empoeiradas em cada cantinho do armário, do guarda-roupa, do quarto. Minhas, meus. E não vejo mal nenhum nesse apego. Até porque são as únicas que não me deixam nem vão me deixar se eu não quiser. Ah, esse apego à carência ainda vai me matar de solidão.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Embarque

Quase pronto para partir.

* Coordenadas:

- Só parar quando alcançar a linha do horizonte
- Não confundir o azul do céu com o do mar
- Ter cuidado com o vento-reviravolta
- Não se encantar pelos golfinhos
- Se a vela rasgar, remar

E ao coração que teima em bater, avisa que é de se entregar o viver...

domingo, 11 de abril de 2010

Do pranto



Não tentes consolar o desgraçado
que chora amargamente a sorte má
Se o tirares por fim do seu estado
que outra consolação o restará?

(Mário Quintana)

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Chuva, lama e sujo

"Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está aí, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada 'impulso vital'. Pois esse impulso ás vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de ummovimento te surpreenderás pensando algo assim como 'estou contente outra vez'."

Sabe, Caio... Há sol quase todos os dias, inclusive está fazendo um calor terrível em toda a cidade. Esse tal impulso ultimamente tem me deixado marcas irreversíveis, não como estes cortes em minhas mãos, não do lado de fora, ou pelo menos não só do lado de fora, pois minha aparência também está horrível e ando mais sem graça do que nunca, digna de pena. Sinto como se um câncer começasse a expandir em todo o meu espírito, e olha que nem acredito nessa divisão entre corpo e alma. Sinto o gosto de sangue das feridas que rodeiam essa alma. Já se passaram meses e não passou, Caio, as dores insistem sim, e mesmo sendo empurrada para o sol, o mar e novas estradas, que de repente apareceram e de nada serviram, ainda há a velha estrada de barro atrás de mim e eu gostaria de voltar por ela, por aquele caminho enlamaçado que gosto de andar pulando nas poças e topando nas pedras, caindo. Eu estive contente outra vez, talvez ainda esteja, brindo em muitas noites imersa em sorrisos deliciosos. Sim, estou contente. Na verdade, muito contente. Entre todas essas estradas ensolaradas e com belos litorais. Mas não tem sido o suficiente estar contente. Há poucos dias atrás tive a chance de chorar de novo. Agora entendo sobre contentamentos descontentes. Quero chorar de novo, Caio. Quero que passe e eu possa chorar de novo. E ai sim, numa tarde de Domingo enterrada no sofá à meia-luz do entardecer pensar "Estou contente de novo".

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Passeio

        Às vezes eu queria que o tempo fosse mais meu, que pudesse parar num sorriso ou numa declaração, voltar, depois de odiar, e perdoar, adiantar pra ver logo o que vai ser ou o que seria e matar a insegurança, adiar o que vier simplesmente por querer mais o que já veio... 

        Queria que o tempo fosse todo meu. Mesmo que neste instante eu não saiba o que fazer se fosse.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Cap ou pas cap?

Te desafio. A partir desta tarde te desafio, sofia. Mas primeiro preciso limpar os óculos, tão embaçados, ontem quase não enxerguei as letras do velho caderno, aquelas confissões que te fiz em segredo, você as leu? Queria que sim, espero que não. Aquela caixinha, desenterrei do fundo do armário, ainda estava com cores vibrantes, acredita? Pois estava. Assim como os desenhos amassados ao fundo. Estavam ali, vibrando. O vermelho estava vermelho, o azul, azul, e o verde, mais verde do que nunca. Até o amarelo estava radiante. Sabe aquele poema? Reli e até entendi. Até gostei. Só o disco estava desgastado, não tocou. Talvez esteja na hora de fazer outro. Ou de mudar as músicas. O que acha? Sofia? É, pois me ouça: Vamos mudar as músicas e fazer outro. Que tal? Podemos até dançar! Aqui mesmo nessa areia grudenta em meio à maresia. Você sabe que eu odeio maresia, também sabe que só estou aqui por ti. Ainda pensei em não vir. Você sabe que eu viria, mesmo pensando em não vir, eu viria. Como sempre fiz, sempre vim. E você? Sofia? Sim, te trouxe um vinho, ia esquecendo de dizer, está aqui em algum lugar, tenho andado com a mochila tão cheia ultimamente. Aqui. Aquele que você gosta. Aquele que nem vinho é. Lembra quando descobrimos? Foi decepcionante, depois bom. Beber um vinho que não o é, é brincar de fantasiar. Você sempre gostou de fantasias, eu as escrevia. Posso escrever pra ti, sofia. Aliás, só escrevo por ti, sabe aquela inspiração? Está voltando. É como se você estivesse por perto de novo soprando em meus ouvidos. Pois olha o que escrevi: um poema. Você sabe que não gosto de poemas, você sabe, não sabe? Mas gosto de ti. E escrevi. Toma, lê. Outro dia. Agora toma, bebe. A gente bebe e o mar fica de ressaca. Também te trouxe salgadinhos. Aqueles que te prometi um dia. O mar está estranho hoje... Talvez sejam as nuvens, vê como cobrem o sol? Audácia. Estamos cobrindo toda a praia. Num dia qualquer, numa tarde qualquer, nada especial, a praia é toda nossa. Essa maresia está me apagando, sofia. E mesmo sem sol estou derretendo. Estou indo embora, sofia, você sente? É tanta areia, tanto vento, tanto sol por ai, não aqui. Não me deixe sumir assim, não me faça sumir. Não quero sumir, sofia; isto me faria te perder também. Sabe aquele amor que um dia nos prometemos? Ele não está sumindo. Está queimando sem derreter nem virar cinzas. Mesmo sem o sol de agora. Se pudesse, trocaria de lugar com ele e depois o recuperaria. Sabe quando você sente que pode tudo? Poderia mergulhar nesse mar e ir fundo, fundo, te trazer o que quiser. Você quer? Você ainda quer? Tua ausência me fez ver o quanto amadureci, isso é bom, não é? Mas agora estou apodrecendo, estou sumindo, sofia. E é você que está me apagando. Por isso só sinto que posso tudo. Não posso. Posso? Posso te encontrar de novo? Podemos sentir a água de novo, sofia? Podemos sentir? De novo? Sofia? Pois te desafio. Me permita a te desafiar, sofia, e aceite.