Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

domingo, 13 de dezembro de 2009

Contra-retrato

Estou me negando tanto ultimamente. Nego o sol pela manhã e a chuva surpresa na calçada. Rejeito uma roupa diferente, um corte de cabelo e uma sandália da moda. Me nego a mim mesma. Fujo todo dia da rotina e caio num dia rotineiro de fuga. É o que vejo por ai. As pessoas fugindo e se negando, o que me faz normal e inserida nessa mesma realidade de mutações inertes. Algumas vezes me atrevo a questionar o outro e um espelho reflete em mim uma imagem distorcida e abafada. Vejo-o negar todo dia as mudanças forçando algo novo, mergulhar no mar de quimeras e nem sequer afundar, boiar num conformismo atormentado, desesperado buscando movimentos inéditos, porque o que é inédito é sempre melhor, o novo atrai bons fluidos, extrai o mofo dos móveis velhos, é ar puro, límpido, o novo é sensação de liberdade. O novo é só algo a mais desconhecido sem definição e por convenção bom, depois por dedução ruim e descartado. Nego-me a ver e sentir o mundo tal qual se apresenta. É um mundo negado, renegado, uma esfera contorcida. Um lugar onde todos negam a si mesmos e são ninguém afirmando a cada mudança-ilusão um novo eu, onde cada um tem medo de ser simplesmente o que é e vai vivendo recusando o que naturalmente muda, onde nego e assumo o que não sou e vou sendo esse ninguém de todo dia.

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