Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Sensação de ressaca...

Acordou com mais uma ressaca. Ontem havia sido um dia cheio, o copo esteve sempre cheio, e o corpo... Repleto das mesmas contradições. Afinal, por que o amor retoma qualquer assunto rotineiro?

Foi em casa buscar o resto das coisas que deixara no armário. Alguns perfumes, algumas moedas. Ele não estava. E quer saber? Bem melhor. Ou bem pior. Talvez quisesse olhar bem nos olhos e dizer o motivo por estar indo embora assim tão repentinamente. Não teria tido tudo o que um filho quer? Por que sair de casa queimando em pressa? Porque estava ardendo por dentro. Entrou no carro e colocou o cd confuso, assim ele dizia. — Músicas mais confusas, sem começo nem fim, nem letra nem nada. Só barulho, filho! Ria da opinião, era a idade, nem tão velho, nem tão novo, mas de outro tempo. De um tempo onde tudo era diferente, era normal. Hoje em dia tantas anomalias. — Já tá na idade de arranjar uma namorada, menino.

Passou na casa do Felipe e pegou os anestésicos. Eram ótimos pra ressaca. Na praia, já bambo, passos inebriantes seguindo o ritmo de suas músicas, mergulhou no mar. Sua mente enrolava nas algas e se afogava nas mentiras que contava a si mesmo. Salgado, deitou-se na areia da praia. Achava desconfortável aquele grude que ficava: areia e água salgada, brisa, vento sem direção. Mas deitou-se e mirou o sol. Queimava. Por alguns instantes saiu de si, apenas um zumbido o guiava pelo pensamento que tentava resgatar a todo custo, tentava permanecer sóbrio. Todos os dias tentava. Mas aquele sentimento o sufocava e o obrigava a fugir. A adormecer. Desgastado, perdeu mais uma vez o por-do-sol.

Naquele apartamento de um só quarto, aluguel barato, poucos móveis, se sentia como um estranho. Paredes desconhecidas, cama pequena, água na geladeira. O sacrifício da negação, da renúncia. Passaria a qualquer momento aquele amor que consumia a sua sobriedade. Esperaria ali, entranhado em segredo.

Amor. Um dia engana qualquer filósofo e o desaba numa loucura óbvia. Céticos aplaudem as desilusões. Cínicos fingem. Alguns questionam, outros condenam. O para sempre acaba, o efêmero não era verdadeiro, o obcecado passou dos limites, o desligado é insensível, o traidor não ama, a poligamia é absurdo, a monogamia é dependência, o romântico não tem amor próprio, o amor é impossível, é maior, é sublime. Esse amor, que o homem reverencia, não se sente capaz, não quer assumir a si mesmo, sente receio de ser arrogante, e acaba sufocando o seu instinto com tanto moralismo, é repressão, implosão, morte lenta da essência.

— Pai, eu amo você. Mas não... Por favor, olha pra mim. Eu amo... Só ouve. Ouve. Louco? Loucura? Não! Não. Não... Não entende. Eu preciso... Eu não sei. Anormal?! Não é só admiração. É amor! Sim, é amor. Por que não existe? Convenção? Invenção? Deus não tem nada a ver com isso, pai. Procriação? Pai... eu não queria... ir embora...

Sabia que seria pior se assumisse e se consumiu. Dia após dia ia sumindo. Conseguiu um empréstimo e mudou de cidade. Cidade grande, movimentada, apressada, desligada, cheia de festas, cheia de noites. Numa dessas festas, percebeu uns olhos insistentes procurando pelos seus, quase extintos. Pouca conversa, muitas doses de delírio e uma noite-extase. Os corpos consumidos e sedentos, a renovação imediata do outro dia, a queda em outro abismo, a efemeridade da sensação humana e o gosto pela razão questionadora. Tudo insistia numa resposta obrigatória, numa determinação. A dor de cabeça incomodava a sua contradição. É? Pode ser? O que é? Amor?

— Não, eu não te amo. Acho que ninguém ama. Amor é isso? Então não é amor. Pode ser tudo, menos amor. Sim, só sei o que não é amor, e amor não é nada.

Nenhum comentário: