Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

domingo, 1 de setembro de 2013

A idade do concreto

Não é a primeira vez que tentam invadir o Cocó com o argumento de trazer algum tipo de desenvolvimento para a cidade. Fico a pensar se desenvolver é isso: de árvore em árvore, enfim, se chegar a nada, além de chão seco, paredes firmes, tinta fresca e metais reluzentes. “Tudo isso por apenas algumas árvores. Tudo isso por causa de um viaduto. Não vejo esse escarcéu todo por outras causas. Estão sendo contra o desenvolvimento da cidade. Querem voltar à idade da pedra. Vagabundos! Vão trabalhar!” Eis algumas máximas vindas do lado de fora, de pensamentos cristalizados num sistema que nos molda anos a fio. Seria até de se compreender, não fosse a tamanha resistência a perceber outras realidades, outras formas de se construir uma sociedade. Muitas vezes nos prendemos às ideias apenas para comprovar nossa personalidade, moral, talvez “ética”, e nos agarramos a elas mais que tudo, nos fechando para os outros, para o espaço e direito dos outros. Fixe: esses outros não se resumem a nós, seres humanos, mas a tudo, a todos que compõem nossos solos, ares, águas e céus. Ao atravessar a entrada, destroçada pelos mandantes do desenvolvimento, mas aos poucos sendo colorida por instituições, entidades, indivíduos que percebem o mesmo que aqueles que ali ocupam e estão dispostos a defender o parque com unhas e dentes, e até com estômago, logo percebi: não são apenas árvores, não é só um viaduto, não são “vagabundos”. É uma causa, é um sentimento que não suporta mais a falta de sentimento reproduzida desde os tempos onde tempo é dinheiro. É um ideal que precisa cada vez mais ser reforçado, não apenas por sonho, utopia, mas por necessidade. Mudar as formas de se construir nossos espaços e nossas vidas é necessário. É preciso reconhecer-se enquanto ser vivo, enquanto parte de algo maior e, principalmente, enquanto único ser pensante responsável por esse algo e por tudo o que o constitui, mas que tem ido bastante contrário a isso. O incrível disso tudo é que algo tão simples e óbvio não consegue ultrapassar as barreiras sequer da visão de muitos, talvez por estarem acostumados a lidar com complexos sistemas mecânicos, sempre em busca de avançar, evoluir, progredir, desenvolver, como se quisessem preencher as falhas que ecoam entre os abismos cavados ao redor de cada um por anos e anos. Os poucos que tentam redefinir esses tons são tidos como loucos, transgressores, subversivos que vão de encontro às melhorias de nossa cidade. Melhorias?!... Talvez esteja na hora de “avançar, evoluir, progredir e desenvolver” de dentro pra fora, pois todos temos barreiras, mas podemos delas reconstruir pontes, praças, parques, e dai ver que a melhoria mais importante é ser gente de novo. Não é voltar a idade da pedra, é sair da idade do concreto.

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