Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

domingo, 8 de maio de 2011

Acabamento.

Você vai me abandonar e eu nada posso fazer para impedir. Você é meu único laço, cordão umbilical, ponte entre o aqui de dentro e o lá de fora. Te vejo perdendo-se todos os dias entre essas coisas vivas onde não estou. Tenho medo de, dia após dia, cada vez mais não estar no que você vê. E tanto tempo terá passado, depois, que tudo se tornará cotidiano e a minha ausência não terá nenhuma importância. Serei apenas memória, alívio, enquanto agora sou uma planta carnívora exigindo a cada dia uma gota de sangue seu para manter-se viva. Você rasga devagar o seu pulso com as unhas para que eu possa beber. Mas um dia será demasiado esforço, excessiva dor, e você esquecerá como se esquece um compromisso sem muita importância. Uma fruta mordida apodrecendo em silêncio no quarto.

Até que eu me torne uma saudade artificial de quem encontra alguém na rua, abraça forte, pergunta como tá, diz que morre de saudade, vamos marcar alguma coisa, e vai embora antes mesmo de ouvir qualquer coisa que o outro tenha a dizer. Mas você vai ouvir o que eu tenho a dizer, você tem a etiqueta da boa educação, aquela que quase perde a essência por ser etiquetada demais, vai ouvir, vai sorrir, vai até passar um tempo comigo, ficar feliz ao encontrar algum amigo e ter o que dizer, que me encontrou em algum lugar, e depois me esquecer nas entrelinhas de outra conversa bem etiquetada. Talvez antes de dormir, pense mim, pense na gente, no quanto foi bom, no quanto foi ruim, no quanto sofrimento, e no quanto alívio, tudo passou, nem lembrança nem vontade, só uma saudade artificial que não faz a mínima questão de ser morta. Nem viva.

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