Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

sábado, 11 de junho de 2011

Você recebeu uma nova mensagem

 para mayara moreira.

É como receber uma carta, mas sem muito ter o que andar.  Abro a página do e-mail, caixa de entrada e está ali, em negrito, entre tantas outras também em negrito, a mensagem dela. Às vezes, abro primeiro, vou correndo junto ao mouse, feito ratinho mesmo fugindo com o queijo na boca atrás de qualquer buraco que o esconda por algum tempo, tempo em que tudo se acalme pra então ir pra casa. Outras vezes, vou abrindo e-mail por e-mail, mesmo sabendo que são propagandas ou nada que me interesse tanto, fazendo hora até que o relógio marque a hora exata de clicar naquele que se sobrepõe a todos os outros, vou criando expectativa, dando corda ao tempo e ao coração pra quando finalmente abrir sossegar num simples e ingênuo "oi, tá ai?". É ai, nesse exato momento, nessas exatas palavras, que tudo se parte e dá partida àquilo que eu nunca joguei antes, sem regras, peças, tabuleiro, controle. A gente conversa, a gente desabafa, a gente discute, a gente debate, a gente consola, a gente conforta. E a gente sabe que tem outros meios mais rápidos de se fazer isso, coisa de mensagem instantânea, torpedo. É só clicar ali, adicionar e feito, eu e ela numa janelinha, foto, cor, personagens. Não dá pra explicar, tão natural esse papo todo e a gente simplesmente se deixou levar pelo mais complicado. Mas o natural mesmo foi trocar palavras em outros tons, retrógrados, meu e dela. De certo é que nunca simpatizei muito com a palavra instantâneo. É algo assim que se dissolve rápido, entende? Lembro de leite em pó instantâneo, também nunca gostei muito. O integral sempre foi mais gostoso, concentrado. E esse jeito prático de fazer as coisas acaba deixando a gente despercebido, com as coisas, as pessoas. Tudo vai sendo feito às pressas, a gente mexe e mexe e mexe, nem olha as bolhinhas que se formam, a água contornando a beirada do corpo, quase maremoto, o pó se diluindo aos poucos, não ouve o barulhinho tilintante da colher batendo no vidro, mexe e toma tudo de uma vez. A gente não espera se curar de um amor, remexe outro por cima dele. A gente não tem pressa de viver, a gente tem pressa de se mostrar vivo. Os amores então vão se acumulando e se acumulando, a vida vai ficando pesada, lenta, exaustiva, e a gente vai tendo cada vez mais pressa, mas não consegue mais correr. Integral, é disso que lembro quando abro a minha caixa de e-mails e vejo ali, em negrito, o nome dela e um assunto meio vago. Eu e ela vamos nos achando de fora pra dentro, aos poucos, sem correria, a gente não tem pressa de chegar porque a gente já está lá e esse lugar não é uma caixa compacta e determinada, mas um fio por onde passa toda a energia, de ponta a ponta. Não tem atropelos nem escorregões, nem acúmulos ou barreiras. Nos jogamos pelo espaço e vamos tecendo, linha por linha, uma teia que quando menos esperamos estamos presas nela, rolando de um lado pro outro, totalmente seguras. Quando leio o que ela escreve ali, e não numa janelinha suspensa dentre tantas outras, sinto aquilo sendo fixado em mim, como os anexos nos e-mails, alguns desenhos mal traçados, algumas graças que só ela tem. O desenrolar das palavras criam frases e delas vêm os textos. E dos textos, vem a gente. Das letrinhas ao corpo e à alma, numa mistura integral. Já me acostumei com a hora em que ela vem e vai embora, abro a página e fico ali olhando o momento em que vai aparecer um novo e-mail, é quase mágica, porque desce não sei de onde. E desço a página lendo toda ela, sem precisar tocar. Solto meus dedos no teclado e eles vão costurando tudo o que quero dizer, o que quero que ela ouça, mesmo com receios por estar se entregando assim tão rapidamente a alguém. E o integral nessa hora, cadê? Também não se trata do instantâneo. É que essas coisas, que são naturais, não se encaixam em tempo nem em modo nenhum, talvez ela dissesse. Aos poucos, estou me acostumando a algo novo, o espontâneo. Outro dia abri a caixinha antes do tempo dela, rebusquei em mim tantas coisas, rabisquei alguns papéis, li mensagens antigas, olhei para outros lados, e então decidi começar de outro jeito - "enviar".

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