Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

terça-feira, 7 de junho de 2011

Das esquinas e das correntes

Ela ia se arrastando pelas calçadas, exausta por tantas contradições da moça-high-society. A paixão veio assim de repente, como de costume, e de repente se foi deixando nela um mundo de palavras a serem ditas e de corpos a serem sentidos. Aquela moça tinha que subir, voltar pra casa e pros amigos que em comum não tinham nada, só o salto.  Ela, que andava sem causas, tinha o que do comum e por esse tinha amigos, tão comuns quanto ela, tão cheios de quê e sem salto nenhum. O primeiro encontro foi bem por acaso mesmo, nessa festa de amigos em comum, bebidas em comum, danças em comum, mas passou assim imperceptível. No outro dia, nem nome de que nem nome de quem, Marcela ou Roberta? Vai saber. Só sei que se encontraram dali a duas semanas depois e se reconheceram logo num beijo descompromissado, com pressa de passar, corredor em movimento, a festa corria e não se podia perder a noite! Nem o dia. Só que nessa euforia ficaram algumas coisas, como o número de um telefone. Ela ainda tinha algumas pendências por resolver, contas a acertar com o coração, com multas e juros por atraso ou antecipação. A outra, coração calado, talvez acolhido num canto bem escondido, não pagaria nada. Mesmo com tantos acertos e desacertos, os dedos não se recolheram por entre as mãos, braços e corpo, ligaram e, quase sem querer, conversaram sobre qualquer coisa, quase sem promessas, mas já tão promissor. Terceiro ou quarto encontro? O fato é que foi num bar, papo à meia luz, e de outros amigos por vir, só a cerveja veio. Fez-se um mal ou um bem? Foi uma noite de anistia. Foram noites de libertação e dias sob condicional, cada qual com suas correntes levando no tempo dívidas e divisões. Só sei que foi assim e ainda é, que bom que é. Ambas entrelaçadas, ambas reconstruindo muros sobre pedras demolidas, num perfeito reaproveitamento de si. Hoje, pouco sabem desses amores e paixonites antigas, mas aqui e acolá as correntes se chocam e soltam faíscas, alguns murmúrios, outras que se foram, outras que não voltaram, outras que se perderam. São felizes, estão juntas pro que der e vier. Porque as coisas do coração são assim mesmo, amor se encontra em toda esquina, paixão é que dá trabalho!

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