Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

domingo, 12 de junho de 2011

Um sorvete, um café, um amor

para inaê.

– A gente marca qualquer dia um sorvete, um café, um amor.

Você veio, nem tão de repente assim, se aproximou delicadamente, como quem não quer nada, como você faz. E desse jeito, como quem não quer nada, me deu tudo. Sorrisos e lágrimas. Um filme e um sorvete, uma bela tarde de sexta-feira, um amigo daqueles que a gente abre bem a boca pra dizer A-M e quase confunde com amor I-G-O de tão belo que se rodeia aquele sentimento. Você o trouxe pra mim também. Me deu tudo assim de braços abertos e sorrisão no rosto, porque você tem um sorriso que não cabe em ti, mas que também não cai. Meus olhos, você abriu, e depois estendeu diante de mim uma estrada nem tão florida assim, me deu sementes e me acompanhou equilibrando a água nas mãos. Vieram as chuvas, os sóis e as flores. Também vieram as colheitas, levaram algumas das rosas mais bonitas, presentes, desculpas, cortejos. Uma casinha delicada ao canto, frágil a qualquer ventania, um café pra esquentar as noites e amanhecer os dias. Você não colocava as lâmpadas, mas sempre as trocava quando queimavam, não trazia cadeiras, trazia toalhas e almofadas pra sentarmos no chão embaixo de alguma árvore. Um amor, você trouxe amores também, meu coração reconhecia cada um, porque você me ensinou a reconhecê-los, assim como tratá-los, cuidá-los, amá-los. Você me trouxe tudo o que eu precisava. Suspiros, balões, aquarela, caderno de desenho, poesias. Questionamentos e revoluções, despertou ideologias, inquietações, movimento. Tudo o que eu era, me trouxe. E eu não percebi. Porque a única coisa que eu queria era te trazer pra mim e isso também não me deixava ver que você já estava aqui. Junto a tudo o que você trouxe, veio o medo de te perder, que não dá pra separar noutra caixa e deixar num porão bem escondida pra ninguém abrir. Esse medo que a gente sente de perder alguém fica exposto como um quadro bem na entrada da casa que alguns param pra admirar e outros nem percebem. Foi bem assim, eu não tinha nada e você trouxe tudo, e então eu quis agarrar e guardar tudo de uma vez dentro da minha mala e ir pra bem longe pra ninguém tomar de mim. Mas você não cabia ali e eu tive que escolher. Então eu te coloquei na mala junto com tudo o que havia dentro dela e não a fechei, nem fui embora. Só que eu fui juntando bugigangas que encontrava pela rua, queria guardar também ali dentro, eram coisas que combinavam com o que você havia me dado e eu queria te mostrar que eu também podia te dar algumas coisas. Mas não coube tanto e você teve que ficar de fora. Ficaram na mala nossas coisas feito um mosaico. Eu só via a bagunça que você deixou ao sair, quis jogar tudo no lixo ou guardar no fundo de um armário pra nunca ter que arrumar. Passava a maioria do tempo fora também, pensei em ir embora e simplesmente deixar tudo pra trás, sorvete, café, amor. Só depois de borrar todo o caminho, pisar em todas as flores e rasgar todos os desenhos, pude ver, bem lá no fundo da mala o que você me deixou. Sorvete no fim da tarde com sorrisos que você me inspirou a conquistar. Café da manhã na cama entre os sorrisos mais lindos que você me ajudou a reconhecer. E a promessa de um amor entre sorrisos de cuidado, compreensão e respeito que você me ensinou a ter. Me deixou tudo de bom, porque todo o tempo só queria me dar o que era bom, agora eu sei.

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