Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Tarsila

 para j.

Já fomos embora tantas vezes, estava até acostumada, mas é que desta vez sinto um aperto no peito, aquele cheiro me desandou, sabe? Estou quase fazendo apelos, veja você, eu de joelhos suplicando alguma coisa, qualquer, me dando por satisfeita com as tuas poucas promessas, umas tão impossivelmente reais. Ontem ali naquela chuva, o mar em plena ressaca, um vento confuso que ia e vinha, fazia frio, as nuvens pesadas, imóveis, e você, num vestidinho de verão, contrastando com todo o resto, diferente de mim, que ia me adaptando a cada ponto da noite, ouvindo cada palavra tua, os soluços tímidos, o toque leve das tuas mãos, o dizer Adeus sem ir embora. Eu quase sussurrava quando tentava dizer o que queria, como se não soubesse o que queria ou sequer quisesse algo de fato, pois você era sempre tão confusa longe de mim, contraditória, o que eu poderia realmente querer, além de procurar qualquer refúgio que fosse do teu perfume que tomava todo o corredor? Uma estranha pelos corredores. Mas bastava chegar perto, atravessar a porta, trancá-la, eu e você, e tudo transparecia, se tornava mais fácil, éramos quase almas gêmeas angustiadas pelos infortúnios do acaso ou do destino, ou dos acasos do destino, voltava aquele aperto no peito, pelo cheiro, pelo que não poderíamos fazer. Na praia, tirei os sapatos, nossos pés no chão, na areia, você se mostrou descalça pra mim, quase nua, e eu pude enfim ver que era você, quem era você, e você era muito mais do que eu pensava, pois você era minha, escondida entre tantos panos, minha, você. Hoje, agora, me dói alguma coisa, talvez tua partida, talvez minha descrença e medo, talvez os olhares que tanto te afastaram de mim, talvez o que simplesmente deveria estar doendo há muito mais tempo, e sinto teu cheiro vindo até a porta antes mesmo que você saiba que sou eu, quase de joelhos, quase suplicando, às pressas, porque depois de tanto adiar resolvi gritar que sim, me apaixonei, mas que ainda não posso ficar, então me promete...

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