Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Outono

Há a porta, as janelas, a chaminé, mas não há lá fora o que impulsione sair de casa, então apaguei a luz e me deitei, no chão. Não, não espero mais nada. Já ela, talvez me espere em algum lugar longe daqui, mais agradável do que essas quatro paredes melancólicas. Liguei a TV, desliguei, o computador em espera, a garrafa de vinho pela metade, cheia ou vazia, no copo ainda restava um trago, sem cigarros porque aquela velha tosse voltou, renovada por causa da fumaça. Uma música antiga pra dar todo o toque de depressão às antigas, faltam só as páginas amareladas daqueles grandes pessimistas, que ainda hoje fazem felizes os apreciadores de obras raras, filosofias ou literaturas. Sons agudos e graves, tons escuros, o vinho bordô, minha aparência parda, meio anêmica, o chão frio, como sempre, pois a casa é bem arejada, sem falar no jardim com suas flores e aromas, as paredes num branco congelado, sem cortinas, e uma observação descritiva totalmente inútil pro tempo.

Falta mesmo aquele desejo de sair, mas pensando bem, aqui dentro também não encontro nada que me faça querer ficar, além da comodidade que é estar em casa, totalmente livre. É quase um dilema. A solidão dentro ou fora, cheia ou vazia, silenciosa ou gritante. O intrigante é que quanto mais tempo me mantenho aqui, mais vou me distanciando de tudo, e o tudo de mim, e se for lá pra fora, pro mundo, o tudo continua nesse processo, e eu devo manter a constante correria pra alcançá-lo, de não deixá-lo escorregar das mãos, como se todo o trabalho fosse em vão na necessidade de qualquer pausa pra respirar. Me vejo nascendo, sendo posta no alto de uma montanha de neve, e quando menos espero começo a descer, às pressas, atrás de uma avalanche, sem qualquer explicação, apenas sentindo que é isso que deve ser feito: correr atrás da avalanche e não dela, ao encontro dela sem nunca contê-la ou tê-la. É essa a vida que enxergo daqui de dentro quando paro, quase numa desistência, dessa correria toda, não pra pegar ar, mas pra ver se realmente vale a pena.

Ela também me intriga. Às vezes a vejo na minha frente, escorrendo junto com toda a neve, às vezes a vejo num canto observando tudo, simplesmente, não por vadiagem ou desistência, mas tomando fôlego pra continuar. Então eu paro e vejo tudo aquilo, o controle que ela tem consigo mesma e com a montanha, harmoniosa, uma leveza que controlaria qualquer avalanche, um desespero plenamente contido nela. Eu contida nela, daqui de dentro, ainda pensando ter autonomia sobre minha descida. Indago às paredes como, se até minhas escolhas, essas em potência livres, são todas guiadas para os caminhos que ela trilha, como no livre arbítrio de Deus, que de duas escolhas, nos encanta com uma e desespera com outra. Mas nesse caso, há a encantadoramente desesperada e a desesperadamente encantada, e qualquer rumo que eu tome vem o tormento de poder ter seguido por outro. Ando platônica demais pra pôr os pés no chão e agora com o inverno chegando escolhi ficar aqui dentro mesmo sem esperar mais nada, além de mim e de mais uma avalanche.

Nenhum comentário: