Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Desregrados

Olhando a vitrine dos sapatos, pois de repente parei em frente a uma loja de sapatos e fixei na vitrine como quem gosta de sapatos, me peguei pensando na nossa discussão da noite passada, mais uma: você estava certa, afinal, quando disse que eu não poderia te amar de novo.

Eu não poderia te amar mesmo, jamais, nem pensar, quando você é dessas que se chateia por nada, ou quase nada, e sai descontando em todo mundo a raiva que nem você mesma sabe o motivo nem onde vai parar. E depois volta como quem pede desculpas sem sentir a menor culpa: sem nem usar as palavras certas, apenas segura minha mão e pergunta sobre o nosso próximo filme ou seja lá o que eu vá querer fazer. Nem poderia amar alguém que acorda de mau humor, ou quem vai dormir sempre antes mim e fica reclamando porque a luz ainda está acesa. Nem me imagino com uma pessoa que me liga no meio da noite pra dizer que me ama, embriagada, porque só assim consegue se desarmar e perceber que também pode ser amada. Também não creio que saberia lidar assim tão bem e meter o amor no meio de toda essa confusão que acontece quando eu discordo ou concordo contra as tuas vontades e crenças de achar que as pessoas ainda têm jeito ou jeito nenhum. Porque você não tem. Eu não ousaria mesmo amar só por esses 10% de sossego que você me dá ao tentar me convencer que dessa vez tudo vai ficar bem, que a calmaria vai reinar, que todo o abuso passou e que agora os remédios vão ser tomados na hora certa, porque os outros 90% vêm com você, logo em seguida, me mandando ir pro inferno, que eu decida a minha vida e vá viver longe dessa paz que você não pode me dar não por falta de vontade. Eu não poderia te amar porque você não tem o mínimo controle sobre si e sobre amor nenhum e porque eu também não tenho, posto que ninguém tem quando já ama alguém. Eu não poderia mesmo te amar porque já te amo e ninguém ama por cima, ninguém ama de novo.

Num estalo que me deu pela buzina do carro (ou foi pelo grito da criança mimada que passava?), despertei daquele transe, deixei os sapatos de lado e continuei meu caminho. O sol já ia tarde e eu precisava chegar logo em casa, era dia do turno acabar mais cedo e eu tinha te prometido aquele jantar e aquele vinho no sofá ou no chão, sem luxo nem etiqueta. 

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