Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Dito pelo não dito.

Procurei à noite inteira músicas e versos antigos que traduzissem o agora, ainda estou procurando, ouvindo, lendo, planando pelas superfícies e sendo recolhida para as bordas. É que não há o que me diga o que há, só há o que houve, tudo circundado por restos tão persistentes quanto necessários, impregnado. Esses escritos se vão pelos tempos arrastando o que vier pela frente, selecionando um qualquer intenso, como um imã que atrai qualquer coisa que possa ser atraída, e se constituem um qualquer cheio de significações para qualquer um. Foi um resgate madrugada adentro translaçando sono e insônia, não sei se adormeci, só sei que acordei pela manhã mais cedo que o de costume e levantei, carreguei a casa vazia com meus passos sonolentos de quem nunca precisou dormir na vida e tombei no sofá de frente ao jardim de inverno. O céu azul estava nostálgico, não num sentido ruim ou bom, apenas com algum sentido, uma nostalgia. Tive certeza então: eu estava acontecendo. Nos últimos anos, não tantos assim, mas o suficiente para ter uma entonação de relevante importância atemporal, estive sendo, fui essencialmente eu, traduzindo tudo o que quisesse e pudesse onde fosse possível ser escrito. Agora, as palavras parecem me fugir. Não tenho necessidade de resgatá-las, deixo-as livres compondo meus dias noutras palavras. É isso o acontecer, esse estar, esse constituir, preencher o tempo e não o espaço, porque ser impede que se esteja, provocando uma enorme necessidade de invadir o espaço com qualquer coisa que possa ocupar. Como estou acontecendo, não encontro mais explicação nem inspiração para traduções, pois estou por mim mesma traduzindo. Entendendo isso, pude conter o início de um desespero qualquer que me forçasse a voltar a ser e me permiti a simplesmente acontecer, jogando pro alto todo o sentido que construi quando aconteci sendo. Algumas pessoas me fazem ser. Outras me fazem acontecer. Eu, me faço duas ou mais, e quando sozinha acabo retornando à minha essência e traduzindo os espaços que pude ocupar e o tempo que pude perder.

Entre o ontem e o hoje, sendo ou estando, estou querendo o amanhã.

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