Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

domingo, 17 de setembro de 2023

O muro

        Eu sentia que precisava subir naquele muro por algo que havia ainda de saber do lado de cá. Deitada na cama à noite, sempre ouvia o vento e as fagulhas de areia que pintavam no telhado, e pensava: o que haverá no lado de lá? Num dia qualquer, em desgraça ou benção, de sol a pino e pinga na mão, tomei coragem, um gole e um impulso: me escalei. Lá estava, paisagem à toa, sem eira nem beira, como quem diz: é, há quem queira! Mirei alguns instantes, como quem tenta dar valor ao que já fora tão estimado, mas não vi sequer cor naquele mato que, há poucos dias, havia incendiado. Ao tentar descer do muro, uma perna afrontou a outra e quase fui abaixo; joguei o corpo antes e dei de cara no chão: me estrepei. Apesar desses pesares, a vista valeu a pena e cada arranhão marcou a certeza de que nunca mais na vida haveria de encarar subida nem encanto que viesse por curiosidade.

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