mayara moreira.
Estava
tão fria que abafava o calor do sol, tinha o mesmo clima que precede alguma
nevasca em torno dela. O tempo se fechando, as cores se apagando, o vento
sutil, mas gélido. Todos ali pareciam querer se esconder também, se abrigar em
algum lugar seguro que não os óculos escuros que cobriam seus rostos apavorados
pelo sopro sereno de vida que ainda permanecia no rosto dela. Parecia sorrir,
parecia querer deixar escapar ainda aquele sorriso meio ingênuo, meio sofrido,
que só ela tinha quando sentava aos pés de uma árvore ou de uma nuvem para
acalmar as angústias que os olhares afiados dos outros lançavam em seu coração,
mesmo que despercebidos do que faziam. Fria pelo abraço da morte o qual buscou,
mas viva por tudo o que ainda tinha a sentir seu corpo miúdo. Além disso,
estava mais pálida do que de costume e os cabelos negros, dessa vez naturais,
acentuavam o tom de partida. Opostos simétricos que arrebentam a corda num jogo
de força, sem vencedores.
Havia um
precipício dentro dela que jamais conseguira entender. Análise, terapia,
meditação, nada, nada resolveu. Abandonou-se em si e deixou que os chãos a
levassem pra qualquer lugar, pois tinha ainda esperança, talvez pelo caminho
encontrasse outras formas de voar por cima desse abismo. Foi então que vieram
as confusões. Amores, paixões, platonismos, amizades, sentimentos furados que
dispensam razões e também alguém com tantos furos quanto eles, pois ambos
precisam de qualquer coisa que os mantenham. Viu-se numa disputa dela contra
ela, o amor precisava sustentá-la e sustentar a si mesmo. Agonias, dúvidas,
vontades, ausências, traições. Mas era delicada demais, pois não teve tempo de
reforçar seu corpo pelos anos que a tomaram, buscou tanto sua alma que perdeu a
força da carne, não suportou nem a si mesma. Foi uma luta vã que serviu apenas
para deixá-la consciente por um tempo. Tempo necessário para mostrá-la já tão
quebrada a outro e dar vida a outro tipo de vida. Uma espécie de loucura a dois
que colava um ao outro e todos os outros sentimentos que um dia a fizeram ir
mais e mais fundo em si.
Foi uma
desconstrução que uniu pedregulhos, formou batentes e desses, degraus
improvisados. Construíram juntos seus reforços e suas fugas. Iam além do que os
passos permitiam, num voo de pássaro novo. Mas ainda faltava algo. Ela ainda
sentia aquele abismo e queria tirá-lo dali, pois então talvez tudo se tornasse
pleno ao menos pelo tempo dela sentir um sorriso largo em seu rosto. Subiu as
escadas levando consigo cada pedaço de concreto até o ponto mais alto, assim
jogaria tudo lá embaixo e taparia todos os buracos que ainda haviam. No alto,
abriu os braços e sentiu o vento bater contra seus cabelos, sentiu-se segura,
algo ali a protegia. Tão serena, tão leve. Tudo era real naquele momento, até
ela, seu corpo frágil, sua alma pesada. Um sorriso escapou deixando mostrar os
dentes tão brancos quanto ela antes do voo... Mais parecia flutuar.