Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

quinta-feira, 9 de julho de 2015

O primo

Eu pensei que tivesse sido a única, uniquinha no mundo que já tinha sofrido por amor a duras penas, patos, pistas, pilhas, postes e as putas que pariram. Pensei que já não tinha sofrido o bastante, quando já tinha, e que não tinha mais nada por vir, quando ainda vinha. Até que ele parou na minha frente. Esfarrapado, sujo, andarilho talvez, desistente, certeza, parado ali, olhando pra mim, e eu achando que tudo era demais pra mim, mesmo que o tudo demais pra ele, mesmo sendo tudo demais, nunca chegaria aos pés dos meus tudos. Aí eu comecei a julgar, antes de acenar. Julguei a barba mal feita, o cabelo meio raspado, acidentado de um lado, assanhado do outro, as unhas imundas, os dentes amarelados, os pés sem rumo. Julguei até mesmo quando ele acenou de volta, pois foi meio sem prazer, sem questão, sem direção, sei lá. Mas aí ele aquietou-se num canto como que dizendo pra que eu sentasse ali e percebesse no silêncio dele tudo o que me deixava gritante, pois eu estava inquieta. Só eu tinha sofrido, perdido e adiado amores. Só em mim doía. Mas eu sentei. Estava tão cansada que sentei. Então ele começou a falar dos cinco anos, eu mal sabia o que isso significava, ele dizia cinco anos de destroços, de quedas, de merdas, de arrependimentos desviados e de futuros ainda por errar. Também disse que amara.

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