Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Impreterivelmente, sem hora marcada

Sim, nos amamos. Mas você ama alguém que não sou eu e eu amo alguém que não é você. E foi depois de finalmente compreender isso que percebi: amo você; quem você era. Só que não se pode ficar com quem era, porque quem era não existe mais. Nos amamos no pretérito, sempre sonhando com o momento certo de fazer valer cada gesto, adiando as emoções imediatas e nos prendendo somente ao conceito delas, ao descontentamento que é colocar em prática o que realmente se sente, aqui e agora, por medo de perder aquilo que se tem por dentro, mas já perdendo pelo simples fato de guardar essas coisas sob o mofo de um corpo viciado nas conveniências que mantém fechada a gaiola de cada um. Cada um cantando no seu canto o seu canto de vazias vivências. Pois que nem todo mundo trocaria todas as grades de uma gaiola por apenas um pedaço de tronco de árvore, achando que ficaria à mercê das estações do ano e do desgaste que é viver por si e pelos outros, esquecendo que o calor, o frio, as flores e também as folhas secas e soltas é que colorem o mundo, aliviam e movem nossa alma, essa que não tem voz quando cantada sozinha. Há sempre quem prefira viver de fora pra dentro, sob a medida de quem também não ama, também se iludindo sobre o amor de sua vida, acreditando que é de sua vida, sem saber que já era. Eu sei. Ou sabia.

domingo, 28 de julho de 2013

Lia

Mais um livro de contos na minha estante. Mas dessa vez eu mesma comprei. Você costumava me dar livros, Lia, e eu costumava ler pra você. Agora ganho livros de estranhos, que me leem pelos bares, onde leio silenciosa, e me acompanham em mais uma bebida que, inútil, me sirvo pra te esquecer.

terça-feira, 23 de julho de 2013

"O grito"

Não sei o que está acontecendo comigo, diz a paciente para o psiquiatra.
Ela sabe.
Não sei se gosto mesmo da minha namorada, diz um amigo para outro.
Ele sabe.
Não sei se quero continuar com a vida que tenho, pensamos em silêncio.
Sabemos, sim.
Sabemos tudo o que sentimos porque algo dentro de nós grita. Tentamos abafar esse grito com conversas tolas, elucubrações, esoterismo, leituras dinâmicas, namoros virtuais, mas não importa o método que iremos utilizar para procurar uma verdade que se encaixe nos nossos planos: será infrutífero. A verdade já está dentro, a verdade impõe-se, fala mais alto que nós, ela grita.
Sabemos se amamos ou não alguém, mesmo que esteja escrito que é um amor que não serve, que nos rejeita, um amor que não vai resultar em nada. Costumamos desviar este amor para outro amor, um amor aceitável, fácil, sereno. Podemos dar todas as provas ao mundo de que não amamos uma pessoa e amamos outra, mas sabemos, lá dentro, quem é que está no controle.
A verdade grita. Provoca febres, salta aos olhos, desenvolve úlceras. Nosso corpo é a casa da verdade, lá de dentro vêm todas as informações que passarão por uma triagem particular: algumas verdades a gente deixa sair, outras a gente aprisiona. Mas a verdade é só uma: ninguém tem dúvida sobre si mesmo.
Podemos passar anos nos dedicando a um emprego sabendo que ele não nos trará recompensa emocional. Podemos conviver com uma pessoa mesmo sabendo que ela não merece confiança. Fazemos essas escolhas por serem as mais sensatas ou práticas, mas nem sempre elas estão de acordo com os gritos de dentro, aquelas vozes que dizem: vá por este caminho, se preferir, mas você nasceu para o caminho oposto. Até mesmo a felicidade, tão propagada, pode ser uma opção contrária ao que intimamente desejamos. Você cumpre o ritual todinho, faz tudo como o esperado e é feliz, puxa, como é feliz. E o grito lá dentro: mas você não queria ser feliz, queria viver!
Eu não sei se teria coragem de jogar tudo para o alto.
Sabe.
Eu não sei por que sou assim.
Sabe.

Texto de Martha Medeiros

segunda-feira, 22 de julho de 2013

De nada parte

Como se não fizesse parte de nada
Levada em bolhas de sabão que sopram por ai
sem poder tocar concretos abstratos sentimentos
apenas alguns poucos reflexos coloridos pelo ar
a serem dissipados sem mais nem menos
Ah, dessas bolhas dissolvidas pelo próprio vento
que cuidou de levá-las leves pra longe do chão
e de tudo o mais que pudesse pesar.

domingo, 21 de julho de 2013

Os primeiros goles

 para L.

Nunca pensei que numa dessas noitadas pensaria em ti. É certo que ultimamente tenho pensado muito em ti, e sonhado além do que gostaria. Mas nunca em minhas noites. Essas onde me divorcio do mundo e me junto aos meus. Ao meu próprio relógio, meus vícios, pensamentos, platonismos e utopias. O trânsito ainda está movimentado, ainda estou na primeira cerveja, o sol se pôs faz tempo no meio da estrada, onde eu ainda pensava em ti. Já há algumas horas nos despedimos sem a menor atenção, nem intenção. Sei que atenção é o menor dos nossos problemas. Nesse momento, o maior dos meus é isso, estar pensando em ti, nas possibilidades, nos empecilhos, e no meu momento à parte da tua vida. Aliás, em que momento você começou a fazer parte de mim? Faz tempo que nos conhecemos e há tempos nos desfizemos. Agora sem mais nem menos, você surge em cada gole dessa cerveja que insisto em tomar sozinha, não tô pra ninguém mais hoje. Pensei em ligar nesse meio tempo, mas o que diria? Se nessa última semana estivemos tão perto todo o tempo e nada tive a dizer, por que agora teria? Você me deixou incoerente e cheia de clichês como há tempos não me sentia. Tenho sido tão lógica e previsível: três em uma, mas todas metodicamente encaixadas numa rotina milimetricamente erguida com medos, erros e desistências. Não sabia que havia porta ou janela por aqui. Você entrou, talvez por engano, um lugar confuso e tal, mas quem está perdida agora sou eu fora de ti, e o que me resta agora é só o tempo de pedir outra bebida até que o amanhã me mostre os estragos que essa noite ainda me reserva no tempo de uma curta ligação.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

"Carta para um próximo alguém"

Eu queria poder estar na mesma cama que ela todas as manhãs.

Espero que saibas que ela implica muito quando se apaixona, mas não se irrite, o sentimento é verdadeiro. Que ela vai segurar só o seu dedo mindinho quando andar do seu lado, em vez da mão toda, e vai ser lindo toda vez que o fizer. Que você vai sentir um aperto no peito sempre que voltar pra casa. Ela é teimosa, mas vai sempre tentar te entender. E dá trabalho quando bebe. O abraço dela é tão gostoso, que vai ser como chegar ao lugar certo. Ah, ela não gosta muito que as coisas parem em números ímpares, mas não discuta, você também deve ter uma coisa que te incomoda. O café a deixa mais acordada e ela odeia próteses dentárias. Não a faça esperar, e ela fala demais. Ela não é romântica por natureza, mas uma demonstração espontânea vai fazê-la sorrir, porque ela é segura e doce ao mesmo tempo, mas não ache que segurança e insegurança não podem andar de mãos dadas. E quando ela ri... quando ela ri, eu tenho vontade de chorar, não por tristeza, mas porque cada gargalhada me toca o coração, e é lindo, o sorriso, a boca, tudo. Aprende que a palpitação que sentes com ela é normal e que a falta dela é um vazio igual a morte.

Espero que sejas tudo o que eu não consegui ser, porque se partires o coração, vai perdê-la para sempre.

Pudera eu ter lido o futuro.

“Só enquanto eu respirar eu vou lembrar de você...”

Eu a amo, como nunca amei ninguém.

Carta de Priscila Vital
 ao último amor.