Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

domingo, 24 de janeiro de 2010

Sem açucar e sem afeto

fez-se mais um fim.

Os pingos sutis de chuva tocando as telhas produziam um som tão virgem que se ouvia a voz de uma donzela recitando suas dores invisíveis. Pupilas dilatadas, pálpebras cansadas e o desconforto do novo travesseiro conspiravam contra ele, impedindo-lhe de cair em sonhos. O cheiro de terra molhada concretizava o mormaço da noite e mantinha os sentidos acesos, iluminando o quarto e os lençóis. Nenhuma saudade permanecia viva naquela insônia, só o eco de um coração palpitante e receoso; o sol não era desejado nos próximos dias e não tinha a consciência pesada por querer tantas tempestades, sentia o puro egoísmo dominar suas mãos, sentia-se vivo dentro daquele egocentrismo. Nenhuma culpa por estar sendo ele mesmo numa noite abafada que não o deixava respirar, contorcia-se na cama num gesto de agonia por tanto sufocamento, reagia ao clima e só. Simplesmente esvaia junto às horas seus desconsolos numa atitude adequada, seguia o tempo sob o som das melodias e ia se preenchendo todos os dias, mesmo com vazios sentimentos, estava sempre cheio, com alguma cor, até mesmo a transparência o tingia. Mas naquela noite, seu corpo estava pálido e nítido, sem qualquer identidade compreensível, sem desculpas. Era sem ser, puro e nu.

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