Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Condicional

Poderíamos ter parado pra tomar um café, mas a chuva estava ficando mais forte e ela queria ir pra casa. Eu achava mais um motivo pra parar e tomar um café, chovia e estava ficando mais forte e além disso a gente precisava perder um pouco de tempo com a gente, já fazia tempo que não fazíamos isso. Pensava em conversar sobre qualquer coisa, não precisávamos falar sobre ontem, era só entrar ali, pedir um café e jogar conversa fora, talvez rir sobre nossas diferenças, talvez sentir conforto pelas semelhanças tão assimétricas. Por onde você esteve quando eu estava doente? E lá começava uma longa discussão, era assim. Ela precisava resolver isso, aquilo, ir ali, acolá, nunca aqui, sem querer não queria. Mas era só um cafezinho, nada demais, mais tarde um cinema, quem sabe, ou uma cerveja, ou poderíamos ir pra minha casa, tinha aquele vinho ainda, e uma música nova, ou poderíamos ver algum filme. Eu também poderia fazer um café pra aquecer a noite dela. Vamos pra minha casa! E eu ia. Sem café, cinema ou cerveja, uma música antiga que escolhi pra ela nos tempos em que a chuva era motivo pra correr pela rua procurando bicas. Agora, em dias de café, íamos cada um pro seu lado ou pra casa dela, deitávamos na cama, as velhas marcas no teto, os lençóis espalhados confundindo-se com os travesseiros e a noite caindo num longo marasmo, nem sono, nem sonho, a observava dormir, tão aliviada e ao mesmo tempo tão esgotada, ainda tão linda. A chuva continuava, mais forte, mais fraca, mais forte, mais indecisa, imprecisa, e a gente ia passando pelos cafés da cidade a caminho de casa, vendo as ruas alagadas, o lixo acumulando nos bueiros, os vidros embaçando, ela não me via com os óculos embaçados. Em casa, tão frio quanto lá fora, mas tinha os lençóis e ela, e eu ia esquecendo do banho de chuva, do café ou das conversas, pois me mantinha aquecido e era exatamente o que eu queria afinal. Um dia ela não vai se sentir tão culpada assim e falaremos numa tarde de sol sobre qualquer coisa.

Um comentário:

Gra. disse...

Nada que várias luas MUDE!
;*