Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Gravidade Relativa

A insanidade anunciou mais uma vez que o poço das ilusões está transbordando. Dom Quixote voa em seus dragões, já eu, o vejo se arrastar pelo chão e puxar os pés de Sancho implorando com arrogância confirmações que o julguem sensato. Os carros estacionados por toda parte afirmam minha razão, estão parados, posso atravessar a rua. Mas o escuro que preenche as esquinas alerta os meus sentidos e me faz perceber que os carros, que continuam parados, podem se movimentar. Isso me mantém numa corda-bamba, equilibrando-me. Quando, se, caio, a queda me deixa marcas irreversíveis e dores por todo o corpo. Dores que só são sentidas porque me reergo, o que as tornam desejáveis. Dores que brincam junto comigo na borda do poço, onde sinto os calafrios dos riscos e ouço o eco dos desvarios, das loucuras disfarçadas que se afogam lá no fundo da mesma água que vejo meu reflexo, que limpo meu rosto marcado por lágrimas ressecadas, vencidas. Água que me banho todos os dias e me faz sentir o frescor da sua pureza. Se dela bebo, é porque nela sei caminhar sem escorregar, sem cair. E as ilusões estão ali, como bolhas de sabão, ensopando meus pés, mas explodindo antes de atingirem minha prudência, de interromperem minha caminhada e afogarem minha insanidade aventureira que cruza cachoeiras sem permanecer presa no encanto das quedas d'água.

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