Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Os Lençóis

Parou diante da porta, respirou. Antes de tocar a campainha, hesitou olhando para os lados; tocou. Por alguns instantes vieram-lhe intenções de desistência, mas antes de qualquer movimento negativo, ela abriu a porta. Ele, com as palavras presas na saliva que lhe faltava na boca, apenas a olhou; ela, rígida e decidida em qualquer som que lhe saísse da boca a partir daquele momento, disse: - oi.

E foi olhando pra ela que ele se viu naquela situação. Nervoso, tímido, vulnerável. Lembrou-se de quando a conheceu, tão frágil - ela disse. E ele, sorrindo delicadamente, desviou o olhar procurando cores no ar constrangido pela impressão que passava a ela. Logo ela, a garota dos cabelos negros e esvoaçantes, do olhar imediato, da voz altiva; a menina que o encantou quando pela primeira vez que voltou-se para falar com ele, convidou-o para uma festa que haveria em sua casa na mesma noite. Ele lembrou-se bem daquela noite. Preparara-se por horas em seu quarto. Os amigos o chamaram "moça", ele entrou no carro e foram à festa. Durante a noite toda ele buscou o olhar dela. No outro dia, ele a convidou para um filme em sua casa, disse que ela iria gostar. Na semana seguinte, eles já tinham um compromisso firmado diante de todos. Passaram-se três anos. Sempre viajavam juntos, até mesmo quando em viagens de família. Ele entrou para a faculdade. Ela foi cursar música. Fizeram planos. O pai dela nunca aprovara aquele relacionamento, dizia que ele não tinha porte pra ela. Ela ria e ignorava - nunca deu muita importância. Ele lia livros nas noites de insônia; ela o ouvia com ternura. Gostava de sua voz. Ele nunca entendeu o que houve com ela depois daquela viagem.

Ela olhou pra ele um pouco menos intensa. - Disse pra não vir. Ele não havia esquecido dessa ordem. Nunca esquecia do que ela dizia, a achava muito sábia em suas palavras. Mas ele não entendia. O que houve? Ele não fora bom o suficiente? Ou fora demais? Lembrou-se bem daquela semana em que esteve longe dela. Ela teve que ir praquela maldita cidade onde o céu já não tinha mais nenhuma graça, onde eles não tinham nenhuma graça. Disse que precisava ir, sua música precisava ir mais longe, e foi. Voltou desolada. Aqueles olhos imediatos tornaram-se serenos, mergulhados no silêncio da melancolia. Sua voz, ríspida. Voltou-se para ele com desdém, revirou-se, acabou. Foi para casa, não atendeu suas chamadas, trocou de número, desviou caminhos, nunca estava quando ele ia ao seu encontro. Não está - dizia seu pai com autoridade. E ele parou. Tinha esperança de que quando desistisse, ela viria atrás. Mas ela não foi.

Passou mais um ano. E ele nunca entendeu o que houve. Ela nunca o explicou. E naquela manhã ele acordou decidido a saber, a entender, a libertar-se. Impulsivamente, como nunca fora, pegou as chaves do carro que comprara para levá-la às aulas de violão e foi até lá. Não teve pressa de chegar. O caminho nem era longo, mas demorou o mesmo instante de tempo que demorava para chegar à praia aos Domingos, ela gostava de ir à praia aos Domingos; e ele gostava de apreciá-la cantando durante o percurso. Parou o carro poucos metros da casa dela. Olhou para os pedais, para a marcha, para a direção, abriu a porta e caminhou solene até à porta.

Olhou para ela timidamente. Disfarçou seu constrangimento com um breve sorriso. Desviou o olhar e fixou na pulseira amarela que ela tinha no pulso - sem nenhuma outra cor, como ela gostava, Nada colorido demais, como ela dizia. Respirou sem pressa.

― Ainda durmo com dois lençóis.

Baixou o olhar. Não sabia mais o que dizer, como explicar o que ela não entenderia. Não sabia nem o que havia dito. Os olhos dela encheram d'água e mágoa quando o viu partindo aflito. Ele não viu, fugiu, sumiu. Ela nunca mais sentiu o sorriso delicado que a encantara desde a primeira vez.

Um comentário:

Inaê disse...

de quem é?
fiquei com vontade de chorar.