terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Partidas

A casa vai ficando maior 
Mais limpa 
Ímpia e só. 
As portas estagnadas 
E um chão que silencia: 
Há menos passos 
Curtos sussurros 
E caixas paradas. 
O jardim florece 
É a solidão que desabrocha ali.

domingo, 30 de junho de 2024

Empolgação

Um corpo apático
E óbvio
Como quem já viveu
Muito
De muita coisa
E agora em ócio
Repousa.

domingo, 24 de setembro de 2023

Aqueles olhos

M.

No mesmo lugar
Parada
Como nunca, como sempre
Agora vendo sob tuas íris 
Novas paradas
De novas partidas
Pelos mesmos caminhos
Mas com outros andares
Desassossegada
Espero a chegada
Lá onde sempre estivemos.

domingo, 17 de setembro de 2023

O muro

        Eu sentia que precisava subir naquele muro por algo que havia ainda de saber do lado de cá. Deitada na cama à noite, sempre ouvia o vento e as fagulhas de areia que pintavam no telhado, e pensava: o que haverá no lado de lá? Num dia qualquer, em desgraça ou benção, de sol a pino e pinga na mão, tomei coragem, um gole e um impulso: me escalei. Lá estava, paisagem à toa, sem eira nem beira, como quem diz: é, há quem queira! Mirei alguns instantes, como quem tenta dar valor ao que já fora tão estimado, mas não vi sequer cor naquele mato que, há poucos dias, havia incendiado. Ao tentar descer do muro, uma perna afrontou a outra e quase fui abaixo; joguei o corpo antes e dei de cara no chão: me estrepei. Apesar desses pesares, a vista valeu a pena e cada arranhão marcou a certeza de que nunca mais na vida haveria de encarar subida nem encanto que viesse por curiosidade.

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Céu

Como um pássaro 
que pousa no canto da calçada
ao acaso 
e encontra algumas migalhas 
espalhadas pelo chão. 
Depois de um tempo 
vê uma mão estendida ao vento
pedaços de pão, 
colhendo qualquer ave 
que ali chegue mais perto. 
O pássaro, livre, 
se ilude com o alimento despedaçado, 
acostuma-se, 
volta no outro dia, 
e no outro dia, 
e no outro. 
Despercebido, prende-se. 
Assim é o teu amor, 
um corte ao que era instinto.
Assim eu era pássaro.

Andarilha

Coleciono chaveiros

De viagens 

Que nunca fiz.

terça-feira, 22 de agosto de 2023

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

A ver navios

Mirei tua boca 
Na intenção de beijá-la 
Brevemente 
Depois fui embora 
Como quem parte 
Sem nunca ter chegado.

sexta-feira, 7 de julho de 2023

O eterno retorno

        Ao entrar em conflito comigo mesma por simplesmente perceber que estava me encantando novamente por alguém, percebi o quanto ainda tinha de voltar os poucos passos que havia dado e avaliar o universo de intemperanças que ainda me rodeava, pois insistir nesse caminho seria vil com mais pessoas do que há de se imaginar. Sair de um isolamento imaginário embebedado em mal-estar para cumprir metas sociais que colocam em maus lençóis quem de algum modo vive em desconexão com esses encargos é arriscar entrar em isolamentos coletivos. Talvez o tempo certo de viver seja apenas uma dimensão em que haja, de fato, vida a ser vivida, em que se é sentido o renascimento do espírito, quando a alma não se suporta mais no corpo. Não é matéria, não é medida de relógio, não é linear nem constante. Não se esmaga o encanto com desencantos por si mesma; se toma por inspiração e expiração: conflitos não se resolvem com pressa nem com falta de delicadeza. É espera. E eu espero saber sempre o que não quero pra mim: me perder por não me encontrar nos meus próprios sentimentalismos.