domingo, 24 de setembro de 2023
Aqueles olhos
domingo, 17 de setembro de 2023
O muro
Eu sentia que precisava subir naquele muro por algo que havia ainda de saber do lado de cá. Deitada na cama à noite, sempre ouvia o vento e as fagulhas de areia que pintavam no telhado, e pensava: o que haverá no lado de lá? Num dia qualquer, em desgraça ou benção, de sol a pino e pinga na mão, tomei coragem, um gole e um impulso: me escalei. Lá estava, paisagem à toa, sem eira nem beira, como quem diz: é, há quem queira! Mirei alguns instantes, como quem tenta dar valor ao que já fora tão estimado, mas não vi sequer cor naquele mato que, há poucos dias, havia incendiado. Ao tentar descer do muro, uma perna afrontou a outra e quase fui abaixo; joguei o corpo antes e dei de cara no chão: me estrepei. Apesar desses pesares, a vista valeu a pena e cada arranhão marcou a certeza de que nunca mais na vida haveria de encarar subida nem encanto que viesse por curiosidade.
quarta-feira, 13 de setembro de 2023
Céu
terça-feira, 22 de agosto de 2023
quinta-feira, 10 de agosto de 2023
A ver navios
sexta-feira, 7 de julho de 2023
O eterno retorno
quarta-feira, 14 de junho de 2023
Semântico
sábado, 18 de março de 2023
A borda
Lá dentre os anos da minha infância beirando uma juventude ainda muito branda, na aula de natação, onde eu acabara de entrar pra turma "grande", da piscina semiolímpica, tenho essa recordação dos quinze minutinhos depois das aulas que podíamos aproveitar o tempo pro que desse e viesse. Os que tinham turma, iam de turma, entre pulos, mergulhos tortos e acrobacias. Os que tinham pressa, chuveiro e toalha. Havia também os que tinham resistência e continuavam as sequências de nados e desafios inventados. Eu, ainda muito nova e pequena em comparação aos outros, não fazia muita coisa, além de brincadeiras aleatórias como cambalhotas debaixo d'água pra ver até onde a respiração, ou falta dela, aguentava.
Ainda bem no início das aulas na piscina grande, ainda espantada com o tamanho dela e dos outros alunos, usei esse tempo livre pra contornar a piscina segurando numa borda interna que percorria por toda a sua extensão. A parte mais rasa me cobria por inteiro por alguns palmos ainda. E a mais funda? Era essa a grande curiosidade. Bom, já havia escurecido aquela altura quando fui chegando no ponto onde não dava mais pra diferenciar as divisões entre os ladrilhos e me soltei, soltando também o ar pra que a descida fosse certa e eu chegasse lá. Eu via a superfície se distanciando, mas mesmo assim não olhava pra baixo. Era como uma queda invertida, indo no sentido certo. Lembro-me de pensar: e agora? Não havia ninguém por perto e eu continuava descendo. E antes de chegar a lugar nenhum, já sem fôlego e sentindo muita pressão nos ouvidos, resolvi nadar de volta, de um nado que ainda nem era tão bom assim. Voltando à superfície e retomando o ar, dei-me conta de que poderia ter morrido e talvez não tão cedo fosse encontrada, ou caso socorrida, fosse tarde demais.
A sensação imediata, no início, foi engasgante. Depois, vieram umas vozinhas de consciência e repreensão por ter feito aquilo, por não ter ido com ninguém ou sequer falado nada nem antes nem depois. Teriam sido recordações bem ruins se dias depois e por tantas vezes eu não tivesse feito de novo e de novo até conseguir. Em todos os tempos livres, mesmo sem fôlego, e sempre com aquela pressão no ouvido, simplesmente tocar o fundo mais fundo daquela piscina sem quase nunca precisar olhar pra baixo e ver o quanto ainda faltava de chão foi um dos mais singulares sentimentos que tive. Às vezes me pego angustiando o corpo, que segue inerte depois que tomamos conta de que manter a respiração contínua é bem necessário nessa vida, e ansiando por uma piscina bem funda.
quarta-feira, 18 de janeiro de 2023
Lá foi a primeira
Existiu um tempo de alegrias imensas, mas também de choros angustiantes. Era tempo de vida. Deixei lá, bem guardado, junto comigo; eu lá. Aqui só estou e tenho estado por tempo demais. Aqui, só dó. Lá estão músicas, livros, risos, gírias, roupas, chinelos, filmes, agendas telefônicas e diários. Existia um tempo de mim e dos outros, delas, deles; de nós. Dos segredos, dos costumes, das noites, das manhãs. Das tardes que se confundiam com tudo isso, cortando o céu e as mentes. Das filosofias e dos cinismos. Dos vinhos e das cervejas. Era um tempo de olhares e queixas, mas sem deixas. Ninguém precisava conjugar nada lá onde sou. Lá onde sou, todos somos, e há alegria imersa e choro profundo. E, vez em quando, posso ouvir esse tempo, mesmo solo.