Você vai me abandonar e eu nada posso fazer para impedir. Você é meu único laço, cordão umbilical, ponte entre o aqui de dentro e o  lá de fora. Te vejo perdendo-se todos os dias entre essas coisas vivas  onde não estou. Tenho medo de, dia após dia, cada vez mais não estar no que  você vê. E tanto tempo terá passado, depois, que tudo se tornará  cotidiano e a minha ausência não terá nenhuma importância. Serei apenas  memória, alívio, enquanto agora sou uma planta carnívora exigindo a cada dia uma  gota de sangue seu para manter-se viva. Você rasga  devagar o seu pulso com as unhas para que eu possa beber. Mas um dia  será demasiado esforço, excessiva dor, e você esquecerá como se esquece um  compromisso sem muita importância. Uma fruta  mordida apodrecendo em silêncio no quarto.
Até que eu me torne uma saudade artificial de quem encontra alguém na  rua, abraça forte, pergunta como tá, diz que morre de saudade, vamos marcar  alguma coisa, e vai embora antes mesmo de ouvir qualquer coisa que o outro tenha  a dizer. Mas você vai ouvir o que eu tenho a dizer, você tem a etiqueta da boa  educação, aquela que quase perde a essência por ser etiquetada demais, vai  ouvir, vai sorrir, vai até passar um tempo comigo, ficar feliz ao encontrar  algum amigo e ter o que dizer, que me encontrou em algum lugar, e depois me  esquecer nas entrelinhas de outra conversa bem etiquetada. Talvez antes de  dormir, pense mim, pense na gente, no quanto foi bom, no quanto foi ruim, no  quanto sofrimento, e no quanto alívio, tudo passou, nem lembrança nem vontade,  só uma saudade artificial que não faz a mínima questão de ser morta. Nem  viva.
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