Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

domingo, 26 de outubro de 2014

Paixonite crônica

 L. P.

Primeiro você tirou o chapéu, desprendeu-se, os cabelos esvoaçaram quando o ventilador te achou e eu me apaixonei pela primeira vez. Depois tirou os brincos pesados, deu de ombros e tirou os sapatos, sentou-se na cama e eu me apaixonei pela segunda vez. Então você foi ao banheiro e removeu toda a maquiagem, voltou para o quarto, trouxe-me água, ofereceu-se para me preparar um jantar e eu me apaixonei pela terceira vez. Enquanto tudo fervia, você veio e me abraçou sem pedir licença, reservou um livro, leu “Olha, antes do ônibus partir eu tenho uma porção de coisas pra te dizer, dessas coisas assim que não se dizem costumeiramente, sabe, dessas coisas tão difíceis de serem ditas que geralmente ficam caladas, porque nunca se sabe nem como serão ditas nem como serão ouvidas, compreende?”, parou abruptamente, disse que continuaria na manhã seguinte e eu me apaixonei pela quarta vez. Tirou a blusa e já não estava de sutiã, quinta vez. Pela sexta vez me apaixonei quando simplesmente me pegou pela cintura e me beijou, novamente sem pedir licença alguma. Sem ar, tive a impressão de me apaixonar pela sétima vez. Completamente nus, à meia luz, vi seu rosto límpido e um sorriso que dizia “fica, pois te sinto se apaixonando pela oitava vez”. Ao sentir o cheiro estranho que vinha da cozinha, hesitei e me diverti ao mesmo tempo, nona vez. E foi quando você disse “deixa tudo pra lá” que eu me apaixonei pela décima vez e nos queimamos sob o frio que fazia naquela noite abaixo de zero.

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