Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro tornar-se cinzas?
(F. Nietzsche)

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Da guerra

Amada,

esta carta pretende ser breve.

A primeira carta. Comecei a escrevê-la no instante exato em que senti teu cheiro. Meia-noite, com segundos vacilantes entre uma quarta e quinta-feira de céu nublado. Fiquei tentando buscar na memória que cheiro era esse, se do cabelo, da pele, do suor. E nada. Nada. Foi quando me dei conta que era teu cheiro e só. Cheiro a sós. Essa coisa toda de corpo n’alma, que talvez viesse de dentro de mim, impregnado desde o primeiro encontro (ou seria o mais recente?), fixo como as memórias do nosso último desencontro.

Quando estamos em pauta, não dá pra pensar num passado nu de arrependimentos. E eu estou vestida como quem vai pra guerra, armada até os dentes contra um futuro que possa reincidir minhas falhas. Aliás, não somente eu, sinto que você também se camufla de todas as formas, mais duramente, contra passado, presente e futuro. Uma vez me disseram que isso nunca daria certo, pois de certo você transparece mais indiferença do que amor. Só que não entenderam que nesse espelho o reflexo chega a ser dispensável, que quem te vê sou eu e nos bastamos da alma pra dentro. Duas almas em mosaico, remontadas de estilhaços de ferro, soldadas.

Minha querida, não entendo mais o sentido dos sentidos. Peço que volte logo.

Sinto saudade do tempo em que somente o cheiro era concreto.

Z.

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